Saturday, February 10, 2007

Diálogo de um casal

De Li de Olideira

Ela estava sentada numa posição super confortável, completamente envolvida pelo filme da TV à cabo.
Ele entra na sala, olha para ela, pensa por um segundo e ameaça sair. Desiste e fica. Senta-se ao lado dela. Cruza as pernas. Descruza. Joga a almofada pra cima. Recoloca no lugar. Ajeita-a.
Enquanto ela não se mexe, mal respira e sem dúvida nenhuma não reparou a presença dele.
Ele ameaça novamente sair, mas desiste e desaba mais uma vez no sofá. Armado de coragem tenta iniciar um diálogo:
- Você soube Rita Carolina do...
- Não... - responde distraidamente.
- Não o que?
- Ãh?
- Não o que Rita Carolina, se eu nem acabei de falar!
- Ah não sei amor, não sei...
Ele suspira desanimado, esfrega a mão nervosamente na cabeça... Pensa, repensa, puxa uma revista da mesinha de centro, qual ele tem a certeza que não interessa. Joga novamente sobre a mesa fazendo um barulho alto e irritante, olha para ela de soslaio, mas sem sucesso. Nenhum vestígio de atenção.
- Então, estavam falando no jornal que o presidente... - ele tentou por uma vez mais.
- Morreu !
- Tá louca? Que morreu o que!? Ele subiu nas pesquisas! - ele se exasperou.
- Nossa, achei que ia sobreviver, quero como vai acabar o filme. O Peter vai ter que ir atrás da Cristine agora porque só ela pode provar o que aconteceu nesse sumiço do John.
Dito isso, ela mergulhou em seu transe. Foi então, que o rosto dele se iluminou, cara de quem teve a idéia do ano. Encheu a mão e coçou preguiçosamente o saco... Nada. Encheu o pulmão de ar e arrotou. Nenhuma reclamação. Neste momento percebeu que teria que pegar pesado.
- Julia Monique, a nova estagiaria, é uma gostosa... - dito isso, esperou apreensivo a reação.
A princípio silêncio mas, em seguida, ela deu indícios de voltar à tona da realidade.
- O que disse Carlos Fernando? - disse ela apertando os olhos.
- Nada, meu bem, nada.
Assim marchou para fora da sala pensando que quarta-feira estava aí, e o campeonato que a esperasse...

Friday, February 09, 2007

ESCREVENDO PRAS MOSCAS

De Marcelo Ferrari.

Olá! Tem alguém ai na internet? Hello! Saionará!
Saionará não! Saionará é tichau em japonês, não?
Patacaparau, não sei dizer oi em nenhuma outra língua.
Deixeuver! Abajour, toualet, kasparov, krakóvia.
Lembra da krakóvia? Do Forrest Gump do aeroporto? Taxi
priss! Gostei demais deste filme. Gostei mais ainda do
primeiro. Run Forrest! Run! Sempre achei que a
genialidade anda de mãos dadas com a simplicidade, e,
até mesmo, a idiotice. Aliás, eis ai porque estou
escrevendo pras moscas. Vou explicar. Se você olhar
para a sua direita, verá dezenas de nomes próprios. Ou
seja, sujeitos suficientes pra soltar o verbo aqui
todos os dias da semana. Porém, nenhum desses
sujeitos, queriam conjugar o verbo no
domingo-mais-que-perfeito. Nem eu, data vênia. Rs.
Chique, né? Mas continuando... O motivo da falta de
candidatos a posto de cronista-dominical era
inversamente proporcional ao motivo da enxurrada de
candidatos ao Big Brother: audiência. (Bem, vou falar
um pouco de pornografia nos próximos parágrafos. É só
pra botar um pouco de açúcar no texto. Logo você
entenderá também porque açúcar e não pimenta.) Mas
continuando. Sim, supunhetemos todos que aos domingos,
ninguém viria aqui meter o pentelho, nem fodendo, só mesmo
as moscas, disse alguém. Ah! Fiquei de quatro!
Invaginasó: moscas lendo um blog! Não é ducaralho!?
Não é idiota e genial ao mesmo tempo?! Sopa de
camarão, empanado de camarão, pastel de camarão,
croquete de camarão, empadinha de camarão... etc...
Bem, se você não acha genial, das duas uma: ou você
não é idiota o suficiente pra conceber a grandeza da
idéia, ou então, você é uma mosca. Se o seu caso for o
primeiro: Run Forrest! Run até a locadora mais longe,
alugue o filme "o contador de histórias" e traga junto
uma caixa de chocolates. Se o seu caso for o segundo,
por favor, releia este texto desde o início, mas
trocando todas as vogais e consoantes pela letra Z.
Ah! E em ambos os casos, volte Zempre.

Thursday, February 08, 2007

Compre uma prancha

De Tiago Abad.

Às vésperas da possível destruição mundial, observo o site da UOL, volto pro Terra, IG, Google, Estadão, Folha, Yahoo... Várias notícias, nada de novo ou interessante. Aliás, esta de que a Terra poderá sofrer um cataclismo já é velha. Pergunto-me então, pra que se preocupar com isso justamente agora? Já usamos, compramos, destruímos, comemos, trocamos, consumimos... Seremos imersos por uma onda gigante? A Praia Grande vai sumir?
Um conselho: compre uma prancha, pois pegaremos a maior onda já vista no mundo, e possivelmente, será a última vez que você verá o mar. Ah! A melhor notícia: não precisaremos pegar trânsito pra chegar na Praia Grande, o mar virá até você. Não é cúmulo do comodismo?
O gelo derreterá todinho, e os Pólos Norte e Sul perderão suas funções, e claro, este gelo se concentrará em algum outro lugar. Quem sabe não seremos futuramente como mamutes congelados? Poderemos renascer como mini-pessoas e encontraremos nossos ex-corpos presos dentro das novas geleiras. Cultuaremos aquela “antiga civilização” como seres sábios e inteligentíssimos, dotados de grandes capacidades. Quem sabe então, os mamutes encontrados não fomos nós?
Estamos à beira de uma “Nova Era”, mas claro, espero que seja “nova” mesmo! Nada de Mc Donnald’s, nada de Coca-Cola, Nike, Habib’s, TIM... chutem a Internet pro espaço, que Uol ou Yahoo sejam apenas gritos de alegria, e por favor, encontrem Bin Laden antes que a onda chegue. Ele está em algum lugar. Não poderíamos entrar numa Nova Era com ele ainda desaparecido.
Os micos-leões não estarão extintos, os macacos poderão evoluir pra algo melhor do que seres humanos, e que o tonto do australopiteco pense duas vezes antes de se tornar um homo herectus. E claro, que o homo seja sapiens de verdade.
Talvez viveremos o reinício das coisas. Redescobriremos a roda, a cadeira, a bicicleta, o telefone, o sutiã, a cueca, o chapéu, o avião, o telescópio, as armas, as bombas, o consumismo, a ganância, a morte... e novamente nos destruiremos.
Teoria do Caos? Bobagem! Nada de teorias, basta viver.

Wednesday, February 07, 2007

Eles para elas

De Lucimara Paiva

Era tão inteligente que acabou ficando inseguro. Chamava-me de gorda porque sua inteligência não permitia que ele suportasse as pessoas que gostavam de mim.
Levantou esse meu corpinho com os próprios braços num momento de loucura, que minha cabeça, literalmente, foi parar no teto. Abandonou-me por não agüentar os próprios problemas e a falta de coragem.
Era tão lindo que enchia meu ego e me deixava flutuando. A certeza dele de ser perfeito não o deixava enxergar nada além de si e decidiu passar por mim sem me ver.
Era educado, discreto, praticamente silencioso. Larguei. Quieto demais para o meu gosto.
Falava bem, era convincente e jurava tudo o que podia. O abraço sincero me enganou tão bem, que quase não enxerguei o mau-caráter que sempre foi muito maior.
Meigo demais, carente na medida certa. Assustou-se com um pouco da minha intensidade e falta de hipocrisia. Não se importou quando fui embora sozinha debaixo de chuva.
Ombros largos, barriga tanquinho e bom gosto. Não era gay, mas só conseguíamos conversar por telefone. Quando nos encontrávamos ficava mudo.
Lindo e ousado. Tinha a “pegada” tão boa, que eu não me importava com os momentos de chilique de menino mimado. Foi abusado demais que acabou passando dos limites da própria ousadia e passou a ser inconseqüente.
Cantava numa banda de rock, fazia showzinhos, tinha carinha bonita e jeito de mau. Tudo para me tirar do sério, mas foi tão “moderno”, sincero e escrachado que perdeu a graça.
Bem-humorado, carinhoso e politicamente correto. Fez meus neurônios derreterem e se colarem uns aos outros. Fui transparente e interpretada como politicamente incorreta e assim decidiu desaparecer.
Cabelinho espetado, pele lisinha e meus hormônios fazendo a festa. Sumiu quando soube que eu gostava de música eletrônica. Ele só ouvia sertanejo e participava de comitivas.
Super “cabeça”, super legal, super tudo de bom e usava o melhor perfume do mundo. Não havia problema em não ser bonito porque o resto superava. Esse saiu correndo com medo de mim e de suas próprias vontades.
Totalmente junkie e rasgado. Só não era sujo. Eu me perdia em todas suas tatuagens. Por causa de toda aquela altura, quando eu o via já começa a tremer mesmo estando há um quilômetro de distância dele. Por mais que eu tentasse fugir, ele sempre aparecia. Não conseguia pensar em ficar longe dele, porque ele sempre foi o oposto de mim e isso virou obsessão. Não conseguia pensar em ficar longe dele, porque mesmo me sentindo estranha, me sentia segura. Fui capaz de sentir saudade imensa. Ele fez parte de uma longa história. Pode ser mentira, mas dizem por aí que foi preso por tentativa de assassinato.

Tuesday, February 06, 2007

Mudou

Postado por Thiago Fabrette

O mundo mudou e não tem nada mais verdadeiro que isso. Mas o mundo mudou demais, demais para deixar as coisas como estão e tentar viver obtuso. Na real, isso seria muito bom: deixar a vida me levar.
O mundo mudou...
Ovos de galináceos não afetam mais o colesterol, e galináceos são os parentes mais próximos dos dinossauros.
O espaço negro e escuro não é mais um espaço vazio, e sim um espaço preenchido pela “matéria escura”, ainda sem nome (outra coisa que mudou, antigamente, um nome já estaria em nossas matérias científicas).
Aliás, minhas parcelas do corpo, que antes tinham nomes mais populares, agora se chamam “Fíbula, Panturrilha, Escápula”.
A Petrobrás é a mais promissora empresa tupiniquim, não mais a poluidora ambiental, que não investe em segurança contra vazamentos, pois é mais barato que a multa – grande dilema.
O mundo mudou, esquentou demais, vem esquentando demais.
A música não vale nada, não se vende, eu posso fazer um download. A novela das oito começa às nove.
O ômega 3 é necessário, a próstata é frágil, o café faz bem.
O Prozac faz o bem. Faz feliz.
O mundo mudou.
O meu presidente mudou e é tão obtuso quanto eu gostaria de ser, mas mesmo assim, continuo achando que ser como ele não é bom. A minha noção de “bom” mudou.
O mundo mudou, o funk mudou, a bossa mudou.
O combustível mudou. Tri-combustível é a próxima.
O mundo mudou?
Se mudou tanto, por que ainda algumas coisas realmente estão enraizadas, estáticas, imóveis, inertes?
Os políticos continuam impunes, continuam odiados e alimentando a esperança vã.
O meu dinheiro continua minguado, o trânsito continua estagnado, enraizado, imóvel. Um amigo diz que, daqui a pouco, ao invés de IPVA, vamos pagar IPTU para dirigir em São Paulo.
O mundo mudou?
Programas sociais continuam a ser usados como palanques, modelos perfeitos de conquista de votos e de poder.
Meus pais continuam iguais, meus filhos continuarão me culpando, eu continuo achando a juventude diferente, verdadeiros etês. E pensar que achavam isso de mim.
O Chico continua igual, Jô Soares continua idêntico.
A amizade mudou, mas não faço mais amigos, continuo com os mesmos de sempre. E as raízes são cada vez mais profundas.
Eu mudei?
Sim, mudei. Comi mais ovos, fiz menos amigos, ganhei e perdi dinheiro, comprei um carro flex, tomei Prozac, café, comi tomate para preservar a próstata, mesmo sem gostar, comi peixe, escutei funk, baixei músicas.
E salve Chico Buarque, Jô Soares e o Hubble.

Monday, February 05, 2007

O Trote.

De Luciana Muniz.

Eu descia as escadas carregando alguns livros, estava organizando minha bagunça literária e faltavam apenas aqueles volumes para finalizar a tarefa. Ainda não tinha chegado à sala e escutei meu pai, já idoso, gritando ao telefone:
– Quem tá falando!?
Achei estranho, pois meu pai não é um tipo grosseiro, destes que naturalmente falam alto. Troquei um olhar interrogativo com minha mãe e me posicionei perto dele. Tão logo ele me viu, me passou o telefone para que eu falasse com quem quer que estivesse do outro lado da linha.
Ainda sem entender a situação, peguei o telefone e falei mecanicamente:
- Alô?
Jamais poderia imaginar ouvir as coisas que ouvi, vindas do outro lado da linha:
– Olha aqui dona, vou te explicar a situação! Teu irmão estava no bar e nóis entramo lá pá fazer um assalto, tu tá me entendendo? Daí o Renato quis dá uma de valentão e nóis teve que catá ele e trazê aqui pru quarto, tá certo? Agora os cara tão querendo dinheiro prá soltá ele...
Que situação absurda! Enfim havia entendido porque meu pai estava tão nervoso! E ele parecia estar falando a verdade, pois citou o nome do meu irmão!
Tentando conter o nervoso, respondi:
– O quê!? Dinheiro? Mas nós não temos dinheiro moço! Somos pobres!
– Num quero nem sabê! Se vocês não pagarem uma grana os cara vão dá uns tapa no teu irmão e eu vou pegar o meu carro e sai fora daqui, vou deixá tudo por conta dos cara, daí a vida do teu mano num vai valer nada, tu tá me entendendo?
– Estou sim... Calma... Não faça nada com o meu irmão...
– Eu quero dinheiro dona!
– Quem tá falando?
– Jorge!
– Então Jorge... Estamos numa situação difícil... Meus pais são idosos, meu irmão e eu estamos desempregados, ele toma remédios fortíssimos por conta da depressão, pelo amor de Deus solta ele!
– Dona, não me interessa saber a sua situação, ele atrapalhou o nosso negócio e nóis num vai ficar no prejuízo não!
Eu não sabia o que era pior, se era a situação absurda que havia se formado ou o sotaque carioca do seqüestrador! Algo me dizia que eu precisava blefar, foi exatamente o que eu fiz:
– Mas não temos dinheiro! Estamos no fim do mês, toda a aposentadoria do meu pai já foi gasta com remédios e despesas da casa! Vocês têm que extorquir de quem tem dinheiro e não os pobres!
– Escuta aqui porra! Quanto você consegue arrumar?
– Quanto? Se eu conseguir te arrumar R$ 100,00 será muito!
– Você tá mentindo!
Suspirei demoradamente como quem está em um beco sem saída:
- Pior que não estou... Gostaria muito de estar em uma situação melhor...
– Quanto tempo precisa para arrumar essa mixaria?
– Não sei... Meu pai precisa ir ao banco ver se consegue sacar tudo o que tiver na conta, daí aqui a gente completa com as moedinhas da bolsinha da minha mãe, eu devo ter uns R$ 10,00 na carteira...
Piscada básica para meu pai, tanto para acalmá-lo quanto para não negociar valores altos, ainda mais sem saber direito se aquilo tudo era verdade mesmo, afinal meu irmão não tinha levado o celular e não tínhamos como falar com ele! Que sufoco!
– Olha dona... Qual é teu nome?
Primeiro nome que veio na cabeça e sem titubear:
– Laura!
– Então Laura... Estou fazendo de tudo para amenizar a situação por aqui, mas não sei durante quanto tempo vou conseguir segurar os cara, daqui a pouco pego o meu carro e jogo tudo pro alto, daí o seu irmão já era!
– Não faça isso! Meu pai já saiu para ir ao Banco, fica aqui perto de casa! E outra... Quero falar com o meu irmão... Quero uma garantia de que ele está vivo, daí te entregamos o dinheiro onde você nos indicar.
– Não dá prá falar com o teu irmão agora, tu tá me entendendo? Os cara tão com ele preso no quarto, mas eu garanto que ele tá vivo!
Olhei séria para o meu pai e falei alto e com ar de alívio:
– Pronto! Meu pai acabou de chegar do banco! Onde te entregamos o dinheiro?
– Peraí Dona... Tem alguma coisa errada ai! Não deu tempo do seu pai ir até o banco e voltar...
Cara de pau total, sangue frio, irritação na voz e principalmente raciocínio rápido, eis os ingredientes:
– Claro que deu! Tem um Bradesco aqui do lado de casa, vamos fale logo onde te entregamos o dinheiro e vamos acabar logo com esta agonia!
– Não é possível que vocês não tenham dinheiro! Eu vou contar até três e se você não me contar a verdade eu vou embora daqui agora e largo o seu irmão na mão dos cara! Um... Dois... Três!
Postura firme e sem entrar no jogo psicológico do bandido, mas com uma boa dose de sofrimento na voz:
– Estou lhe dizendo a verdade! Gostaria de poder ter mais dinheiro para te oferecer e salvar a vida do meu irmão, mas não tenho! Vamos comer o pão que o diabo amassou até o começo do próximo mês, pois estamos te dando o restinho de dinheiro que possuímos, mas não tem problema, o que importa é ter meu irmão a salvo...
E me voltando de propósito para o meu pai, apreensivo ao meu lado:
- Pai! Veja aí na bolsinha da mãe se tem as moedinhas para completar os R$ 100,00!
– Laura...
– Jorge não desliga! Estamos providenciando os R$ 100,00, meu pai tá nervoso e não tá conseguindo contar direito as moedinhas...
– No que você trabalha dona?
– Não estou trabalhando... Estou desempregada há mais de sete meses! E o meu irmão também, vivemos da aposentadoria do meu pai...
– Mas o que você faz?
- Eu? Sou analista de sistemas...
– E não consegue emprego como analista de sistemas?
Ops! Sangue frio!! Avante!
– Na verdade era estagiária... Tava fazendo faculdade, mas tive que trancar porque a grana tava curta...
– Quantos anos o seu pai tem?
– 66.
– E a sua mãe?
– 60...
– Laura me escuta...
– Jorge! Me diga o que aconteceu! Já temos os R$ 100,00!!
– Me escuta! Não precisa mais me entregar o dinheiro...
Silêncio... E depois a dramatização:
– Não? O que aconteceu? Cadê o meu irmão?
– Fica calma... É um trote... Na verdade eu estou preso e liguei para um número qualquer para tentar conseguir uma grana...
Maldito!!
– Ah...
– Não vou adiante com isso, percebi que você está falando a verdade e que este dinheiro vai fazer muita falta para você e os seus pais e depois eu vou ficar com crise de consciência...
Presidiário com crise de consciência? Era só o que me faltava! Mas como eu também vou para o inferno, obviamente que por outros motivos:
– Com certeza! A gente tá numa situação muito difícil! A vida aqui fora é muito dura!
– Eu tô sabendo dona... Você tem alguma religião?
E o dito cujo era religioso também!? Confesso que nem mesmo nesta hora fui sincera:
– Não... Mas às vezes vou à missa...
– Então fica tranqüila que eu vou rezar para você e o seu irmão conseguirem um emprego e para que os seus pais melhorem de saúde, tu tá me entendendo?
Ha ha ha esta vai ficar na história! A minha situação está tão feia que até os bandidos estão rezando por mim!
– Obrigada... Eu também vou rezar para que você consiga sair daí da prisão e que consiga reconstruir a sua vida.
– Quantos anos você tem Laura?
Não, ele não está dando em cima de mim, era só o que me faltava! Respondi meio impaciente (e óbvio que menti a idade também, oras!):
– 28.
– Posso te ligar mais vezes? Mil desculpas pelo susto, mas espero ter conquistado uma amiga...
– Claro, não tem problema...
– Tá certo, só uma dica... Se algum mané te ligar falando essas patifarias desliga na cara, é tudo trote dos malandro daqui da prisão!
Acho que esta foi a frase mais sincera dele durante toda a conversa! Respondi já com ares de quem tem muito mais o que fazer:
– Tudo bem...
– Desculpa mais uma vez o susto! Semana que vem te ligo de novo para a gente conversar mais.
Vai esperando eu te atender...
– Tá bom...
– Thau.
– Thau.
Ufa! Nunca senti meu corpo tremer tanto! Mas depois que ele confessou a maracutaia não sabia dizer se fiquei com mais raiva da audácia dele, do meu irmão que saiu de casa e esqueceu o celular ou da falta de jogo de cintura do meu pai, que ouvindo um choro do outro lado da linha no início da ligação, foi logo falando o nome do meu irmão! Se não fossem estes pequenos detalhes não precisaríamos ter passado por este sufoco!
Mas de tudo isso fica uma lição: O diabo mora nos detalhes...


* Texto baseado em fatos reais, juro!