Friday, July 20, 2007

O avião

De Leandro Molino

Todos nos solidarizamos, certamente, com os familiares e amigos das mais de 180 vítimas do maior acidente aéreo da história do País. Um acontecimento trágico, um tanto quanto estranho, mal-explicado, que vai render muita discussão, mas que está se tornando corriqueiro. Infelizmente, a queda de aviões comerciais, destinados ao transporte de passageiros, está se tornando comum no Brasil. Será que em algum outro país, em qualquer tempo, dois aviões repletos de passageiros foram objeto de tragédias em menos de 10 meses? Lembram-se do avião da Gol? Aquele que se chocou com o jato Legacy no espaço aéreo da floresta amazônica? Eu não esqueci. Assim como não esquecerei o acidente desta semana. Independentemente de falhas (sejam estas humanas, mecânicas ou de estrutura) que tenham influído para tais acontecimentos, estes dois eventos são bastante representantivos, pois evidenciam a incapacidade das autoridades brasileiras em gerir qualquer coisa, não apenas as questões atinentes à segurança aérea, aeronáutica ou de infra-estrutura aeroportuária. Vivemos um instante perigoso em nosso País. Como o mundo passa por uma era de certa prosperidade, tendemos a supor que a melhora dos índices econômicos que temos presenciado se dá em razão da mão de nossos administradores públicos. Mas não. Estes apenas seguem o vau da valsa. É uma omissão sem tamanho, jamais vista! E, nesse ínterim, morrem pessoas que não guardam qualquer relação com isso. Morrem pessoas que estão dentro dos aviões que caem; morrem pessoas que estavam abastecendo seus carros; morrem pessoas em razão da disputa por pontos de venda de drogas nas periferias das grandes cidades; morrem pessoas largadas pelos corredores dos abandonados hospitais públicos. Enfim, morrem. Assim como a nossa esperança, que apesar de ultimar, um dia, também, morrerá. Tomara que não seja em decorrência da queda de outro avião.

Wednesday, July 18, 2007

Lu em cartaz

De Lucimara Paiva

Com essa minha mania de escrever sem o mínimo de noção das conseqüências, comecei a ouvir que preciso parar de me expor. “Você está louca?! Pode ser usado contra você qualquer dia.”.
Dia desses a exposição foi tão intensa que fui obrigada a retirar um texto do ar para que minha integridade física fosse mantida. Moça, a minha intenção é ser sincera, não encha meu saco. Mas mesmo assim retirei o texto. Não quis pagar para ver.
E nessas de sinceridade e exposição, descobri que escrevo nesse site há meses, mas a maioria dos que lêem os textos, não sabe quem é a Lucimara. Por mais que eu escreva, faça a galera rir, receba xingamentos, manifestações diversas, por mais que as pessoas se identifiquem com a realidade descrita, cheguei invadindo. Nem ao menos falei “Oi”. Exposição assim não tem graça. Quem é a fulana? Fulana é sua mãe, ô filho-da-put****.
Será que alguém sabe que eu só consigo escrever sobre o que me deixa indignada? Será que alguém sabe que sou péssima para fazer contos? Limitada. Além disso, por mais indignada que eu seja, às vezes canso de me esforçar e volto com meus pensamentos fúteis para tomar um fôlego como, por exemplo, minha atual crise dos 25. Após meu aniversário, na semana passada, descobri que os 18 anos nunca foram tão distantes. Se estou sentindo o peso dos 25, imagino dos 40. Terei que fazer 20 anos de análise. Quanto mais o tempo passa, mais minha bunda cai. Nunca fico muito tempo de costas para o espelho. Prefiro evitar lágrimas logo pela manhã. Se os 10 tubos de protetor solar e as 44 horas semanais de ginástica facial não resolverem, não me responsabilizo. Estou com medo. Alguém me dá um abraço?
Ah, sou reclamona também. Quase uma chata. Teimosa, cabeça dura e mimada. Falam que eu tenho a personalidade de um demônio e que já tiveram vontade de me bater para que eu calasse a boca. Mas sou sincera. Minha cara de nojo quando algo me incomoda é incontrolável. Tenho ímpetos de prepotência, mas só porque, como diz meu irmão, adoro mandar algumas pessoas se foderem. Nada que não tenha sido merecido. De todas, uma: ou tentaram me converter ou gritaram comigo sem razão, com a possibilidade de tentativa de me fazer de idiota ou foram hipócritas. Viu? Merecido.
Posso ser um monstro egoísta, eu sei. Mas esse meu coração que ainda bate, é enorme, e se alguém quiser fazê-lo de idiota, vai conseguir, assumo. É fácil me dobrar, sou sensível. Fiquei encantada com a Nutella e com a sapatilha de zebra que ganhei de presente. Choro de repente. A pose de durona desencanada é só um esforço, muitas vezes inútil, de não sofrer tanto.
Gosto de pizza, de Rob Zombie e de andar descalça. Odeio livro de auto-ajuda e manicure. Gosto de estudar, sou nerd. Tenho aflição quando mexem no meu joelho. Esqueci qual é o gosto de picanha. Não sei cantar e não tenho tinta no cabelo. Não uso drogas. O entorpecente mais forte que “uso” de vez em quando é tequila. Detesto me vestir de atriz pornô, aquele famoso estilinho “perua-árvore-de-natal” que a mulherada por aí insiste em achar que é a melhor maneira de ter “cara de rica”.
Tempos atrás, num dia de chuva, vi um filhote tremendo de frio no ponto de ônibus. Quase que o enfiei na mochila, mas acho que ele não ia gostar muito do tour que teria que fazer até às 6 da tarde. Já joguei um tijolo num velho maldito que pensou em espancar uma cachorra que estava amarrada num carrinho de catador de papel. Já fiz o trânsito parar para salvar um outro cachorro de ser atropelado, só não me pergunte como consegui convencê-lo a voltar para casa. Acho que foi a coxa de frango que obriguei a tiazinha do boteco a me dar.
Fora os bichos que têm minha preferência, faço qualquer coisa pelos meus poucos e bons amigos. Fico feliz ao extremo quando estão todos perto de mim. Fico bem só quando eles estão bem. Quando eu falo poucos, são poucos mesmo. Cansei de pessoas ridículas que me julgam e fazem sacanagem. Não perco tempo, excluo. Ô gentinha escrota.
Gosto de coisas simples. Sou baladeira, mas não é por isso que sou uma vadia. Adoro ler e de acordar com alguém me fazendo rir. Não gosto de fazer pose, prefiro minha empolgação pura como é. Envolvo-me. Não tenho meio termo, o que sinto chega sempre nos extremos. Não consigo ser superficial. Sou simples assim, não tem mais o que mostrar. E depois de ter sido exposta e virada do avesso mais do que deveria, resta-me dizer: Oi, quer ser meu amigo?

Tuesday, July 17, 2007

O paciente inglês

De Antonio Zubieta

"Senhor,Que eu não fique nunca
Como esse velho inglês
Aí do lado
Que dorme numa cadeira à espera de visitas que não vêm "
(Oswald de Andrade)


Quem já sabe o que é ser velho sabe qual a expectativa que se tem da vida. Velho é quando ficamos à espera de visitas que não vem, de dias que não passam, de fim de semana que foi e que bom que foi.
Conheci Tartúlio ontem. Estava numa fila de banco (quem faz fila em banco hoje?). Pois é, estávamos lá. Tartúlio sempre faz fila de banco. Não gosta de internet, se recusa a aprender informática, odeia celular, mas adora fila de banco. Aliás, qualquer fila o leva para o passado. O glorioso passado de branco e preto, de quando as pessoas conversavam e não apenas escreviam. Toda essa tecnologia faz plugá-lo ao mundo, interagir com as pessoas, falar sobre coisas que poderiam ser maiores daquilo que ele já sabe. Isso ele detesta.
Por isso estava lá numa fila de banco, pagando uma conta de luz de oito reais, que poderia estar no débito automático. Contou-me de grandes passagens da sua vida. Viu todos os jogos da copa do mundo. Não perde nenhuma disputa de medalha do pan-garé . Tartúlio sabe todos os resultados dos torneios de tênis deste ano. E por sorte esqueceu os outros resultados do ano passado. Seria demais para seus 82 anos. Aliás, "me surpreende o Senhor ter TV a cabo!". "Não fui eu, foi minha filha que insistiu", resmungou.
Aí me lembrei de um texto do Oswald de Andrade. Falei para ele sobre o texto e que iria escrever nossa conversa.
Falei do filme "Efeito borboleta". " Se você pudesse mudar algo do passado, o que mudaria para fazer diferente do que hoje realmente o é? " Não tenho necessidade de outra mudança. O que já estamos vivendo é a mudança de algo que já é diferente do que deveria ser."
Ele pediu para imprimir em papel meu texto.Falamos sobre tudo isso em uma hora de fila. Tartúlio era paciente.

Monday, July 16, 2007

O toque da chuva

De Luciana Muniz

Sua cabeça latejava ferozmente, a impressão que tinha era a de que suas veias iam explodir! Tomou o remédio habitual e deitou-se no mais absoluto silêncio e na completa escuridão, sabia que por alguns instantes precisava se desligar do mundo e esquecer seus problemas ou a dor não lhe deixaria em paz.
De tão cansada que estava não demorou a cair em sono profundo, o remédio começava a fazer efeito e a relaxar os seus músculos, involuntariamente retesados durante o transcorrer do dia.
Em seus sonhos ela se viu em um lugar da cidade que nunca tinha visto antes, não sabia explicar como, mas sabia que aquele lugar pertencia a sua cidade. Estava escurecendo e logo a noite deixou transparecer a luz da lua, única fonte de luz do lugar. Mesmo assim não sentiu medo e deixou que o vento brincasse com os seus longos cabelos. Sentir o vento acariciar o seu rosto lhe dava a sensação de leveza que há muito não sentia. Começou a reparar mais no lugar e então se deu conta de que não estava sozinha... Outras pessoas, como ela, também desfrutavam da luz da lua sob seus corpos e também pareciam maravilhadas com o vento que soprava sobre elas, parecia um presente divino!
Começou a chover, porém a chuva não lhe molhava, apenas aos outros, ela olhou em volta e achou estranho, pois não estava em um lugar coberto, estava no campo tanto quanto as outras pessoas, então por que a chuva não lhe tocava? Parou por alguns instantes e ficou pensativa olhando para os seus pés descalços, quando percebeu uma mão estendida para si. Levantou o olhar e viu um homem moreno, não totalmente desconhecido, porém ela nunca havia lhe visto. Ele percebeu a sua hesitação e lhe falou calmamente:
“Venha, sei que você também gosta da chuva...”
Ela sorriu como uma criança e tocando as mãos do misterioso homem, se deixou conduzir por ele até que, como magia, sentiu a chuva molhar todo o seu corpo. Era como se não seu corpo, mas sua alma fosse tocada pela chuva. Ela não sentia frio, medo ou qualquer agonia, sentia apenas a crescente sensação de bem estar.
O homem moreno a olhava maravilhado, estava contente por poder proporcionar este momento mágico para a sua amada, ela que não sabia do seu amor e tampouco da sua existência até aquele instante. Ele sabia que ainda demoraria um pouco para que ela se desse conta de sua existência e de sua paixão, mas ela já dava os primeiros passos na longa estrada que a levaria até os seus braços.
O seu êxtase com a chuva que caía sobre si havia lhe provado isso. Ele olhou para o céu e viu os primeiros raios de sol a aparecer, tinha que ir... Deixou-a sentindo o brando calor do sol sob sua pele, a secar o seu corpo e aquecer sua alma. Talvez ela não se lembrasse do sonho que tivera, vida corrida, cheia de afazeres, mas quando se encontrasse novamente solitária e deprimida pensaria no destino e nos sinuosos caminhos da vida. E então saberia que no universo existia alguém que a amava e que torcia em silêncio para que ela jamais deixasse de acreditar... Ele existia e estava à sua espera!