Friday, April 27, 2007

A Vida como ela poderia ser

De Leandro Molino

Um dia, o excepcional escritor Ruy Castro, de tantos sucessos literários, compilou em um único livro os textos mais significativos do dramaturgo Nelson Rodrigues, que sempre caracterizou seus trabalhos pela narrativa do mundo e do submundo da Classe Média carioca, como um espelho do que ocorria na maioria dos lares de todo o País. Os textos “rodriguianos” são tão significativos para a cultura nacional que este livro de Ruy Castro recebeu o nome de “A Vida como ela é”. Pois bem. Dias desses, lendo os jornais e assistindo às emissoras de televisão, chamou-me a atenção uma notícia que informava um fato, a meu ver, no mínimo inusitado: o Governo Federal, através do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), estaria adotando “novos parâmetros” para o cálculo do PIB (Produto Interno Bruto) do País. E somente em razão deste fato, nosso PIB, que no ano passado “havia sido” positivo em apenas 2,6% (somente maior que o do Haiti), passou a ser o de 3,8%, alçando o Brasil à honrosa décima primeira colocação no ranking dos Países que mais cresceram em 2006. Que notícia fabulosa e positiva! Não acham? Eu não acho. E explico o porque: esse fato, que efetivamente ocorreu, mesmo parecendo ser um tanto quanto surreal demais, é o retrato não somente de nosso Governo, mas de toda a nossa sociedade, que o aceita. Hoje em dia, é preferível mascarar a realidade do que encará-la de fato, pois preferimos impor uma versão dos fatos. Outro dia, escrevi um texto aqui no nosso blog questionando as benesses que o “império da verdade” teria nos proporcionado. Quase nenhum, pois a minha verdade é uma, a sua é outra e a do seu vizinho é uma outra ainda mais diferente. Existem fatos do cotidiano que permitem interpretações múltiplas. Todavia, outros não as admitem. O que me espanta na questão do PIB brasileiro é que esta é uma questão matemática, de estatística, que não pode ser confundida com questões políticas ou pertencentes às ciências sociais e humanas. E o Governo (me perdoem os seus defensores) realizou exatamente isso: interpretou o que não aceita interpretação. Conseguiram, finalmente, atingir o improvável, transformar uma ciência (quase) exata em uma “humanidade”, que pode variar dependendo dos interesses políticos vigentes. Tal postura é, no mínimo, questionável. Mas, como tudo na vida, apresenta seus fatores positivos e negativos. Positivamente, o que o atual Governo fez pode repercutir em outras questões de enorme importância para a administração pública, como, por exemplo, a do déficit do INSS. Hoje ele existe e sabemos (mais ou menos) qual a sua valoração. Amanhã, basta alterarmos os seus critérios de cálculos para que esse alardeado déficit se transforme em um superávit... Por que não? Podemos fazer isso também com relação a questão educacional. Se é a educação a mola impulsionadora das efetivas transformações sociais, vamos alterar os critérios de cálculo das taxas de analfabetismo, de repetência, de produção científica. E vamos, assim, elevar o nosso País na questão educacional! Nós já investimos tanto e tão bem nisso, não é mesmo? Podemos fazer o mesmo com relação à dívida externa, diminuindo consideravelmente seus valores? Xiiii... para tanto seria necessário perguntarmos para os estatísticos internacionais, que representam nossos credores, se isso seria possível. Será que eles aceitariam essa “alteração de critérios”? Que me desculpem os economistas, mas quem precisa “alterar os critérios” somos nós, cidadãos, na hora do voto, quando elegermos nossos representantes políticos. Essa sim seria uma efetiva variação da realidade, que nos proporcionaria, sem dúvida, atingirmos um patamar de vida bem melhor do que o atual.

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