Tuesday, July 31, 2007

Dorabella

De Fernando Alonso

Já se passaram 7 noites desde a gente foi pega, eu e minha irmãzinha. Me lembro bem, como se fosse ontem. Nunca senti um pavor tão grande! Eu sou mais nova que ela. É, a gente estava perto do Shopping. Como chama mesmo? Ah, Interlagos. Brincávamos no estacionamento quando nossa mãe lembrou que não tinha pago o ticket. Pediu para Clara (a Clarinha, minha irmã!) que a gente esperasse ao lado do carro. Foi quando um moço moreno grandão chegou e puxou ela pelo braço. Ela me segurou forte e juntas fomos levadas por aquele homem de nariz achatado. Ele tinha cara de mau, dava medo!

Ele tapou a boca de Clarinha enquanto nos arrastava para um carro amarelo, bem feio. Ela tentava gritar, mas não conseguia porque a boca continuava tapada. Eu gritei, mas ninguém ouvia! Ele então me jogou no banco de trás, e depois foi a vez de Clara. Ela estava muito assustada e ficava me apertando enquanto chorava. Eu também estava com medo, mas Clarinha me apertava tanto que eu nem conseguia enxergar nada!

Andamos por um tempão, e não sei bem por onde. O carro balançava muito e é difícil quando se é pequena conseguir enxergar pelo vidro do carro! E também a Clarinha não conseguia prestar atenção em nada, porque só chorava e me apertava o braço. Mas tudo bem, eu me sentia melhor, porque também morria de medo!

De uma hora pra outra o moço parou o carro. Ele desceu e fechou a porta. A gente tava num lugar muito feio e fedorento perto de um riozinho pequeninho, bem escuro e com um monte de casa feia em volta, parecia que não tavam prontas. Tem um monte de lugar assim em São Paulo né? Aí depois que ele terminou de conversar com outro moço ele voltou. Abriu de novo a porta e mandou a Clarinha calar a boca, senão batia nela. Eu fiquei com tanto medo que nem tentei falar mais nada depois disso.

Então o carro começou a andar de novo e aí a gente foi até o final da rua de terra. Chegando lá, o moço desceu e pegou Clarinha de novo pelo braço. Ela gritou por mim e ele deixou que ela me segurasse novamente pela mão. Estranho, o homem não tava nem aí pra mim, só pra Clarinha. Fiquei com medo por causa dela.

Bom, ele levou a gente pra uma daquelas casas bem feias. Lá abriu uma porta com cadeado e nos levou por uma escada pra baixo. Tinha um quarto escuro lá e sem janelas, com uma só lâmpada. Eu não gosto muito de ficar no escuro. Quando eu ficava só no nosso quarto passava muito nervoso. O bom é que a Clarinha sempre dormiu comigo. Mas então, ele jogou a gente lá dentro e trancou a porta. Minha irmã me abraçou e começou a chorar muito. Eu também queria chorar, mas não conseguia não sei por quê. E assim ficamos.

Passaram vários dias e Clarinha até emagreceu porque não conseguia comer direito. E a comida era muito nojenta também. Eles abriam a porta, deixavam o prato e fechavam de novo. Até barata aparecia no quarto. O colchão era sujo, muito sujo mesmo, e a gente tomava um monte de picada de bicho. Mais a Clarinha, comigo eles só pulavam e iam embora.

Olha, passamos um sufoco viu. Aí ontem o moço de nariz achatado apareceu e disse que a gente ia ser libertada. Ouvi ele dizer que ia deixar a gente na marginal Pinheiros, só não sabia onde ficava esse lugar. Ficamos super felizes, mas minha irmã não conseguia sorrir. Tava com medo ainda.

A Clarinha ficou esperando ansiosa a noite toda. Quando amanheceu, o moço abriu a cela e falou pra Clarinha que o pai dela tava esperando. Não sei porque não falou ‘’nosso’’ pai, mas percebi que pra ele eu nem existia! E Clarinha sempre cuidou de mim, mas ela tava tão feliz em ouvir falar do papai que soltou minha mão, pegou a do moço e assim foi embora! Ela me deixou...

Fiquei muito triste e com medo. Não sabia mais o que fazer. Eu nunca tinha dormido sozinha antes, e passei a noite mais horrível de minha vida. Abandonada pela minha família achei que ia ficar ali pra sempre.

Foi então que, quando amanheceu, uma moça abriu o quarto. Parecia que ela ia limpar lá, quando me encontrou. Ela estendeu sua mão, me pegou e me colocou numa cadeira, fora do quarto. Quando terminou de limpar, me pegou de novo e disse que ia me apresentar sua filha. Chamava Jéssica.

Minha vida então mudou. Eu não vivo mais numa casa tão legal, num bairro de casas mais bonitas. Moro agora num lugar sujo chamado ‘’Elióplis’’, ando cheia de terra e meu braço tá todo descosturado. Aqui cheira a esgoto, não me chamam mais de Dorabella, mas pelo menos eu não tô mais sozinha.

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