Wednesday, August 01, 2007

Ela está logo ali

De Lucimara Paiva

Temos a mania de querer saber sobre tudo, ter certeza de tudo. A sensação de controle só vem dessa maneira. Quando antecipamos, nos sentimos preservados. O “quase”, o “talvez”, o “como será” gera angústia. Apesar disso, quando temos a única real certeza, preferimos negá-la.
Eu tenho medo de morrer. E você? Se não conseguir responder, entenderei. Mas vamos morrer, sinto muito. E só de pensar nisso já senti uma pontada aqui dentro. Eita, sensação horrível. Deve ser por isso que caço assunto e fico ansiosa quando me sinto limitada. É a inútil tentativa de fazer o máximo em pouco tempo.
Você poderia estar dentro do “avião surfista”.
Poderia estar dormindo dentro do ônibus bem na hora em que uma carreta cheia de concreto quase passou por cima do mesmo gerando um engavetamento na estrada.
Você poderia estar naquele acidente de carro ou ser o escolhido por um delinqüente inexperiente - pois aqui no Brasil agradecemos quando os bandidos são “profissionais” – que só quer fazer maldade e que mantém tua vida num gatilho.
Nesse exato momento em que estou digitando esse texto, o prédio poderia pegar fogo. Na hora do almoço uma bala perdida pode me atingir ou posso comer comida estragada e morrer de infecção generalizada.
A opção de viver ou não também poderia ser minha, no caso de ser seqüestrada do nada, e na hora em que o infeliz dissesse “Tire a roupa, gatinha, vamos nos divertir um pouco já que você é pobre.”, a minha resposta imediata seria “Desculpe, você vai ter que me matar antes.”.
A morte pode ser trágica, estúpida, rápida, dolorida, lenta, silenciosa, mas sempre será inesperada. Mesmo que você seja um velhinho “da hora”, que não tenha sido ruim para ninguém e tiver 95 anos, a certeza que você pode sumir de repente, vai deixar alguém muito triste. As sensações de fragilidade e perda são indescritíveis. Nem vou comentar muito, pois vira clichê redundante.
Ê, Dona Cida, como queria que você estivesse aqui. Lembro que você sempre dizia que queria me ver casando. Lembro que você escondia as balas Soft, fazia minhas mamadeiras, me dava água com açúcar quando o tio Beto me assustava, lembro de você toda vez que vejo aquela foto do meu aniversário de quatro anos. Seu olhar meigo era único. A saudade também é, sempre foi. Assim vamos seguindo entre perdas e superações, sabendo que nunca será a mesma coisa. Só queria pedir para ver minhas tatuagens ficando enrugadas e meus netos brincando com cachorros e perguntando porque a avó deles é rabiscada. Queria pedir para conhecer tudo o que eu tiver vontade e para morrer dormindo quando mais nada for novidade. Não dá, né?
No fim, acabo tendo certeza que é melhor negar essa única certeza. Não é conformismo, é que dói menos.




PS: Eu disse velhinho “da hora” porque, como citou Fernanda Young, não é porque você é idoso que vai ganhar uma áurea de anjo e todas suas ”filhadaputices” serão esquecidas, pois nesse caso, meu caro, todo mundo vai querer que você morra sim.

6 comments:

Anonymous said...

Nosssa!!!! Impressionante!! Demais!! Não estou conseguindo comentar!!!

Aline

Anonymous said...

Luuu ... nesse exato momento estou sem palavras !! vc sabê o motivo, mais Parabéns..

bjos

Anonymous said...

Fofura eu não tenho medo da morte e acho que você também não deveria ter, mesmo porque nesta "pegada" nós não vamos durar muito, né?! rs...

Bjão.

Anonymous said...

Xú...
perfeito seu texto, qq comentário será...bem...mero comentário...rs
nada q eu escreva vai demonstrar a grandeza e como fiquei comovido com o texto...
afinal...tb fico com o c* na mão qdo penso q vou morrer!...cagão?..q nada...apenas realista...rs

show de bola o texto!
parabéns...como sempre se superando!

bjo bjo bjo
PS...quero te ver velha tda rabiscada...kkk

Czernucha said...

Gata, mais uma vez não me surpreendi quando li seu texto, apenas me fez refletir o quanto eu gostaria de reviver o passado, nem que seja por alguns breves momentos, mas eu gostaria!
Medo, todos nos sentimos, mas o medo é uma maneira de manter viva a vontade de viver!
E se for ao lado de uma mulher como você, o medo, vai se tornar infimo diante a imensidão e do poder que você tem, em suas palavras vemos vontades e desejos que todos nos temos, mas que não sabemos como aplicar, ou até mesmo expressar durante uma vida.
Você o faz, de forma simples e com um texto!
Grande beijo

Anonymous said...

É... Um dia realmente, os vermes irão comer sua carne, seu cérebro, suas entranhas. Haverá mais uma utilidade para o seu corpo, mesmo depois de estar sete palmos abaixo da terra.
Mas a morte, esta não existe.
Seus átomos permanecerão íntegros e darão forma a outras manifestações de vida. Seu espírito continuará sua jornada, assentará os resultados de suas experiências e preparar-se-á para novas atividades. Não fosse assim, não haveria justiça e os K-Parsecs que existem entre as galáxias, e mesmo dentro da nossa, de nada valeriam e o Universo não precisaria expandir-se por distâncias inimagináveis para nossos limitados cérebros.
Os bichinhos irão te comer sim. Mas isso é só mais uma etapa do processo.

Beijos

Luiz