Saturday, July 14, 2007

A CAMBALHOTA DO BUDA

De Marcelo Ferrari

Hoje é domingo. Meus amigos me convidaram pra jogarfutebol. Seria um enorme prazer ficar correndo feitobobo atrás de uma bola, mas hoje também é dia depraticar meditação no templo. Estou em dúvida. Será que caso ou compro uma bicicleta? Buda ou Pelé? Fazer 1000 gols efêmeros ou chegar a iluminação? Quanto sofrimento trás esta coisa de livre-arbítrio. Nem fiz nada ainda e já estou sofrendo como se estivesse numa cadeira de dentista escutando o barulho do motorzinho.Como será que Sidarta se livrou deste inferno? De qualquer maneira, acho melhor usar meu livre-arbítrio e escolher ir pro templo praticar Zazen. Quem sabe é hoje que chego a iluminação!

Pronto, aqui estou! Mas como cheguei aqui? Sim, usei meu livre-arbítrio. Decidi pegar o ônibus, decidi entrar no templo, decidi sentar nesta almofadinha preta e agora estou decidindo deixar os pensamentos passarem. Estou decidindo não acolhe-los nem rejeita-los. Este pensamento aqui, por exemplo, do mestre Zen dançando com uma fruteira na cabeça, feito Carmem Miranda, é bem engraçado. Será que posso dar uma risadinha? Melhor não! Vou usar meu livre-arbítrioe permitir que ele passe. Você não sou eu, vá com deus. Este outro aqui, sobre a violência urbana, também não sou eu. Não concordo com a violência, masf azer o que? Não posso acolher nem recusar nada, eis a prática do Zazen.

Já deve ter passado pelo menos uma meia hora. Se estou decidindo tudo certinho, como manda o figurino, porque não chego a iluminação? Tudo quanto é pensamento que aparece eu deixo passar, estou usando meu livre-arbítrio da melhor maneira possível, mas porque estas escolhas não me levam a iluminação?Chega! Vou me levantar. Foda-se o Buda! Fo-da-se! Além do mais, minha perna está doendo pra caralho! Pra ficar sofrendo aqui, muito melhor seria sofre lá no campo de futebol. E se Sidarta estiver errado? Ou então, se ninguém entendeu o que o cara falou? Vai ver a felicidade é realmente feita de momentos efêmeros,como marcar um gol e dar uma cambalhota. Vai ver ela dura apenas o momento da cambalhota. Um ciclo fechado que vai do momento em que o pé sai do chão até o momento em que volta.

Mas o que faço? Levanto ou não levanto desta merda de almofadinha. Mais uma vez é a porra do livre-arbítrio! Que inferno! E o filho da puta do Buda ali no altar, me olhando com aquele sorrisinho de canto de boca, feito a monalisa. O cara deve ter mesmo chegado ailuminação, por isto fica rindo da nossa cara. Afinal,se o budismo começou depois do Sidarta, nem budista ele era. Ele não era porra nenhuma. Era um mané que nem eu.

C-a-r-a-l-h-o! Não acaba nunca esta porra de prática! Mas que merda de livre-arbítrio é este que não me deixa levantar e ir embora. É muito simples, primeiro decido me levantar, então, movimento o corpo e vouembora. Porque não? O que me impede? Meulivre-arbítrio? Mas não é justamente pra isto que eleserve? Pra que eu possa me levantar e ir embora? Vaiver é assim que se chega a iluminação, usando estamerda de livre-arbítrio pra fazer o que realmentetemos vontade e não pra ficar sentado nestaalmofadinha esperando o Nirvana cair do céu.

É isto! Vou me levantar! Vou contar até três, melevanto e nunca mais volto a usar meu livre-arbítrio pra nada além do que buscar cambalhotas efêmeras. Um. Será que é isto mesmo? Só tem um jeito de saber. Dois. Vamos lá, você consegue! Livre-arbítrio e determinação! Você quer ou não quer ser feliz? Dois e meio. Rapaz, mas o prazer é efêmero. O Sidarta chegou a felicidade sentado debaixo da figueira. Este é o caminho do meio. Dois e quase três. Ah! Foda-se ocaminho do meio, do lado e da frente! Se o caminho émeu, deixa eu caminhar, deixa eu. Três.

Não acredito, me levantei! Estou de pé! O mestre estáme olhando! Será que eu atingi a iluminação? Será queele reconheceu isto? Ele não está me censurando. Ah! Só pode ser isto a iluminação! Os mestres nos deixam aqui, subjugados pelas regras da meditação, presos nestas almofadinhas de merda, até descobrimos que a felicidade está no livre-arbítrio de ir e vir. Vou embora e nunca mais volto aqui. Agora sou um homem livre, dono do meu livre-arbítrio. Ou será que não? Ou será que tudo que acreditei estar escolhendo até me levantar foi só uma seqüência de ilusões? Só cambalhotas efêmeras? Será que o livre-arbítrio é uma ilusão? Será que eu...???Ooooops! É gooooooool!

2 comments:

Anonymous said...

Achei muito legal as indagações sobre o livre-arbítrio em paralelo com a frase:
“Ah! Foda-se o caminho do meio, do lado e da frente! Se o caminho é meu, deixa eu caminhar, deixa eu.”.

Bjitos!

Acerola das Neves said...

É a liberdade do não-livre... heheheh livre arbítrio até a repreensão, e qtos de nós não sofremos isso... heheheeh ei Buda, pega essa bola... hehehe abraço