De Luciana Muniz.
Eu descia as escadas carregando alguns livros, estava organizando minha bagunça literária e faltavam apenas aqueles volumes para finalizar a tarefa. Ainda não tinha chegado à sala e escutei meu pai, já idoso, gritando ao telefone:
– Quem tá falando!?
Achei estranho, pois meu pai não é um tipo grosseiro, destes que naturalmente falam alto. Troquei um olhar interrogativo com minha mãe e me posicionei perto dele. Tão logo ele me viu, me passou o telefone para que eu falasse com quem quer que estivesse do outro lado da linha.
Ainda sem entender a situação, peguei o telefone e falei mecanicamente:
- Alô?
Jamais poderia imaginar ouvir as coisas que ouvi, vindas do outro lado da linha:
– Olha aqui dona, vou te explicar a situação! Teu irmão estava no bar e nóis entramo lá pá fazer um assalto, tu tá me entendendo? Daí o Renato quis dá uma de valentão e nóis teve que catá ele e trazê aqui pru quarto, tá certo? Agora os cara tão querendo dinheiro prá soltá ele...
Que situação absurda! Enfim havia entendido porque meu pai estava tão nervoso! E ele parecia estar falando a verdade, pois citou o nome do meu irmão!
Tentando conter o nervoso, respondi:
– O quê!? Dinheiro? Mas nós não temos dinheiro moço! Somos pobres!
– Num quero nem sabê! Se vocês não pagarem uma grana os cara vão dá uns tapa no teu irmão e eu vou pegar o meu carro e sai fora daqui, vou deixá tudo por conta dos cara, daí a vida do teu mano num vai valer nada, tu tá me entendendo?
– Estou sim... Calma... Não faça nada com o meu irmão...
– Eu quero dinheiro dona!
– Quem tá falando?
– Jorge!
– Então Jorge... Estamos numa situação difícil... Meus pais são idosos, meu irmão e eu estamos desempregados, ele toma remédios fortíssimos por conta da depressão, pelo amor de Deus solta ele!
– Dona, não me interessa saber a sua situação, ele atrapalhou o nosso negócio e nóis num vai ficar no prejuízo não!
Eu não sabia o que era pior, se era a situação absurda que havia se formado ou o sotaque carioca do seqüestrador! Algo me dizia que eu precisava blefar, foi exatamente o que eu fiz:
– Mas não temos dinheiro! Estamos no fim do mês, toda a aposentadoria do meu pai já foi gasta com remédios e despesas da casa! Vocês têm que extorquir de quem tem dinheiro e não os pobres!
– Escuta aqui porra! Quanto você consegue arrumar?
– Quanto? Se eu conseguir te arrumar R$ 100,00 será muito!
– Você tá mentindo!
Suspirei demoradamente como quem está em um beco sem saída:
- Pior que não estou... Gostaria muito de estar em uma situação melhor...
– Quanto tempo precisa para arrumar essa mixaria?
– Não sei... Meu pai precisa ir ao banco ver se consegue sacar tudo o que tiver na conta, daí aqui a gente completa com as moedinhas da bolsinha da minha mãe, eu devo ter uns R$ 10,00 na carteira...
Piscada básica para meu pai, tanto para acalmá-lo quanto para não negociar valores altos, ainda mais sem saber direito se aquilo tudo era verdade mesmo, afinal meu irmão não tinha levado o celular e não tínhamos como falar com ele! Que sufoco!
– Olha dona... Qual é teu nome?
Primeiro nome que veio na cabeça e sem titubear:
– Laura!
– Então Laura... Estou fazendo de tudo para amenizar a situação por aqui, mas não sei durante quanto tempo vou conseguir segurar os cara, daqui a pouco pego o meu carro e jogo tudo pro alto, daí o seu irmão já era!
– Não faça isso! Meu pai já saiu para ir ao Banco, fica aqui perto de casa! E outra... Quero falar com o meu irmão... Quero uma garantia de que ele está vivo, daí te entregamos o dinheiro onde você nos indicar.
– Não dá prá falar com o teu irmão agora, tu tá me entendendo? Os cara tão com ele preso no quarto, mas eu garanto que ele tá vivo!
Olhei séria para o meu pai e falei alto e com ar de alívio:
– Pronto! Meu pai acabou de chegar do banco! Onde te entregamos o dinheiro?
– Peraí Dona... Tem alguma coisa errada ai! Não deu tempo do seu pai ir até o banco e voltar...
Cara de pau total, sangue frio, irritação na voz e principalmente raciocínio rápido, eis os ingredientes:
– Claro que deu! Tem um Bradesco aqui do lado de casa, vamos fale logo onde te entregamos o dinheiro e vamos acabar logo com esta agonia!
– Não é possível que vocês não tenham dinheiro! Eu vou contar até três e se você não me contar a verdade eu vou embora daqui agora e largo o seu irmão na mão dos cara! Um... Dois... Três!
Postura firme e sem entrar no jogo psicológico do bandido, mas com uma boa dose de sofrimento na voz:
– Estou lhe dizendo a verdade! Gostaria de poder ter mais dinheiro para te oferecer e salvar a vida do meu irmão, mas não tenho! Vamos comer o pão que o diabo amassou até o começo do próximo mês, pois estamos te dando o restinho de dinheiro que possuímos, mas não tem problema, o que importa é ter meu irmão a salvo...
E me voltando de propósito para o meu pai, apreensivo ao meu lado:
- Pai! Veja aí na bolsinha da mãe se tem as moedinhas para completar os R$ 100,00!
– Laura...
– Jorge não desliga! Estamos providenciando os R$ 100,00, meu pai tá nervoso e não tá conseguindo contar direito as moedinhas...
– No que você trabalha dona?
– Não estou trabalhando... Estou desempregada há mais de sete meses! E o meu irmão também, vivemos da aposentadoria do meu pai...
– Mas o que você faz?
- Eu? Sou analista de sistemas...
– E não consegue emprego como analista de sistemas?
Ops! Sangue frio!! Avante!
– Na verdade era estagiária... Tava fazendo faculdade, mas tive que trancar porque a grana tava curta...
– Quantos anos o seu pai tem?
– 66.
– E a sua mãe?
– 60...
– Laura me escuta...
– Jorge! Me diga o que aconteceu! Já temos os R$ 100,00!!
– Me escuta! Não precisa mais me entregar o dinheiro...
Silêncio... E depois a dramatização:
– Não? O que aconteceu? Cadê o meu irmão?
– Fica calma... É um trote... Na verdade eu estou preso e liguei para um número qualquer para tentar conseguir uma grana...
Maldito!!
– Ah...
– Não vou adiante com isso, percebi que você está falando a verdade e que este dinheiro vai fazer muita falta para você e os seus pais e depois eu vou ficar com crise de consciência...
Presidiário com crise de consciência? Era só o que me faltava! Mas como eu também vou para o inferno, obviamente que por outros motivos:
– Com certeza! A gente tá numa situação muito difícil! A vida aqui fora é muito dura!
– Eu tô sabendo dona... Você tem alguma religião?
E o dito cujo era religioso também!? Confesso que nem mesmo nesta hora fui sincera:
– Não... Mas às vezes vou à missa...
– Então fica tranqüila que eu vou rezar para você e o seu irmão conseguirem um emprego e para que os seus pais melhorem de saúde, tu tá me entendendo?
Ha ha ha esta vai ficar na história! A minha situação está tão feia que até os bandidos estão rezando por mim!
– Obrigada... Eu também vou rezar para que você consiga sair daí da prisão e que consiga reconstruir a sua vida.
– Quantos anos você tem Laura?
Não, ele não está dando em cima de mim, era só o que me faltava! Respondi meio impaciente (e óbvio que menti a idade também, oras!):
– 28.
– Posso te ligar mais vezes? Mil desculpas pelo susto, mas espero ter conquistado uma amiga...
– Claro, não tem problema...
– Tá certo, só uma dica... Se algum mané te ligar falando essas patifarias desliga na cara, é tudo trote dos malandro daqui da prisão!
Acho que esta foi a frase mais sincera dele durante toda a conversa! Respondi já com ares de quem tem muito mais o que fazer:
– Tudo bem...
– Desculpa mais uma vez o susto! Semana que vem te ligo de novo para a gente conversar mais.
Vai esperando eu te atender...
– Tá bom...
– Thau.
– Thau.
Ufa! Nunca senti meu corpo tremer tanto! Mas depois que ele confessou a maracutaia não sabia dizer se fiquei com mais raiva da audácia dele, do meu irmão que saiu de casa e esqueceu o celular ou da falta de jogo de cintura do meu pai, que ouvindo um choro do outro lado da linha no início da ligação, foi logo falando o nome do meu irmão! Se não fossem estes pequenos detalhes não precisaríamos ter passado por este sufoco!
Mas de tudo isso fica uma lição: O diabo mora nos detalhes...
* Texto baseado em fatos reais, juro!
Monday, February 05, 2007
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7 comments:
Bem-vindos ao pesadelo da realidade.
Esse é meu Brasil...
Uau, Lu!
Que barra, hein?
Mas veja pelo lado bom: você pode ter arrumado um namorado!
Ué, só a Simony pode?
Beijos,
Alê
Oi Lu!
Pois é, e tenho que lhe dizer que esse trote não é recente não, era já meio ´´manjada´´ tu tá me entendendo?
Agora que passou fica sempre a parte engraçada, mas na hora...hehe
Bjo!
Fe
Oi, Lu.
Até aqui na empresa já passei por isso, mas por sorte pude falar com os "sequestrados" por uma outra linha... E não é que o cara deu em cima de mim tb?rs
O pior foi quando outro cara ligou com esse papo e eu disse a ele que entendia sua situação na cadeia mas não podia atender porque estava trabalhando. O cara ligou outra vez muito bravo e falou um monte pra mim...
bjx
Tenhos umas situações parecidas bem próximas. Fazer o que né? Que nos perdoem pelo conformismo, mas é a vida.... Boa sorte no novo espaço! Beijos.
Na próxima ligação, finja estar com a mãe dele e que se ele não te pagar, vc mata a véia... rsrsrsrs é um troco pelo menos...
bjs
Tiago Abad
Luciana, menina, desejo muito sucesso pra vc aqui neste novo blog!!! Botter.
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