Friday, May 25, 2007

A árvore

De Leandro Molino

Dia destes, observando uma pastagem, dei conta da existência de uma frondosa, altíssima e forte árvore. Isolada de todos os lados. Provavelmente, todas as suas semelhantes foram dizimadas quando o ser humano ali resolveu agir, intervindo na criação daquele pasto. Uma sobrevivente, portanto. Tirante as questões ambientais, que não pretendo abordar, até que aquela intervenção ficou bem bonita: um conjunto de pequenos montes, todos cobertos de um verde pasto, com esta solitária sobrevivente num de seus pontos mais altos, como se fosse a majestade local, a observar toda a extensão do seu reino. Todavia, apesar da indubitável beleza deste cenário, confesso que me bateu uma certa tristeza quando o observava. Fiquei imaginando aquela árvore, ali, naquele lugar bucólico. Sozinha. Tem gente que afirma conversar com as plantas e árvores. Tem gente que acredita nesta possibilidade. Outras, nem tanto. Fato é que aquela especial árvore me parecia uma espécie anciã, daquelas multi-centenárias que ainda existem Mundo afora. Deve ter passado, portanto, por situações incrivelmente interessantes, pois está lá, naquele cume, há mais tempo que todos nós. Uma sábia, sem dúvidas. Se eu quisesse conversar com alguma árvore, conversaria com aquela, para saber sobre fatos antigos, situações ocorridas às suas vistas, à sua sombra. Desejaria questionar-lhe sobre namoros, beijos, nascimentos, mortes, enfim, tudo o que ocorreu ao longo de todos estes muitos anos à sua margem. Gostaria de perguntar, ainda, como é que ela consegue ser tão forte, bela e vistosa vivendo solitariamente. E perguntaria se vale a pena ser tão deslumbrante sozinha. Será?

Thursday, May 24, 2007

Dona Corruptela

De Léo Lousada

Às 06:00h, Dona Corruptela já estava acordada e dando café para as crianças. Como sempre, estava com pressa e pegou um pacote de bolacha para ir comendo no caminho. Às 07:00h estava saindo de casa e lembrou que seu carro estava no rodízio, mas já conhecia um caminho em que não havia nenhum CET até o colégio das crianças. Foi fazendo o caminho e realmente não havia fiscal para multá-la.
Ia dirigindo e comendo suas bolachas e assim que acabou o pacote, ela não pensou duas vezes e o atirou pela janela.

Quase chegando ao colégio, lembrou que havia deixado roupa de molho na máquina e aproveitou para ligar do celular para casa para avisar a empregada de ligar a máquina de lavar. Entre as manobras com uma mão só e as ordens para a empregada, Dona Corruptela chegou ao colégio das crianças. Como sempre parou o carro em fila dupla e deixou os filhos no colégio.

Às 07:30h já estava a caminho do trabalho e decidiu comprar uma pasta numa papelaria para apresentar o novo projeto pelo qual ela estava trabalhando há um mês. Parou em local proibido, pois era rapidinho, e lá foi comprar a pasta. Comprou e foi ao trabalho.

No trabalho, Dona Corruptela fez sua apresentação com maestria e habilidade, deixando a todos na sala muito convencidos de seu projeto. Era um projeto pequeno, mas seria para a prefeitura e isso poderia render bons frutos para a empresa onde Dona Corruptela trabalhava. Entretanto, um dos sócios da empresa lembrou sua funcionária que era um projeto público e que haveria licitação, e o projeto de Dona Corruptela não era dos mais baratos. Mas nossa heroína já tinha uma resposta pronta: ela iria inscrever mais duas empresas fantasmas com preços maiores para garantir a aprovação de seu projeto. Foi muito aplaudida e ela não sabia, mas depois seria promovida por isso.

Aquele dia Dona Corruptela saiu mais cedo do trabalho (afinal, ela merecia) e foi até uma doceria. Novamente ela parou em local proibido, afinal era rapidinho de novo, e comeu seu doce. Seu doce sucesso. Ao sair deu de cara com um “marronzinho” preparando o talão para multá-la. Depois de uma curta conversa e R$ 20,00, Dona Corruptela escapou daquele vilão que queria estragar seu dia.

Decidiu pegar as crianças mais cedo na escola, pois já eram 17:00h e seguindo pelo caminho sem “CETs” chegou a sua casa.

Fez o jantar e sentou-se no sofá para ver o Jornal Nacional com seu marido. Dona Corruptela ficou horrorizada com o escândalo do Ministro de Minas e Energia. “É um absurdo esse país, os políticos que deveriam dar o exemplo e olha só a quantidade de maracutaia que eles fazem”.
E esse foi mais um dia de Dona Corruptela. Uma típica brasileira.

Wednesday, May 23, 2007

Estupidamente iludida

De Lucimara Paiva

Ele é tão inteligente, tão simpático e tem o sorriso tão lindo que, com o maior prazer, ignorei qualquer mínimo defeito que possa aparecer.
Ele tem as veias do antebraço salientes, a nuca sexy e os cílios curvadinhos. As mãos são grandes e já achei “pelinhas” escapando da cutícula.
Além de ser quentinho, ele dorme fazendo bico e fica me procurando pela cama até me achar para poder se enrolar todo.
Ele fala bom dia bem baixinho no meu ouvido até que eu acorde. Ensinou-me a dançar, a bater em ladrão, a fazer lasanha de frango e me faz chorar de rir a cada uma hora e meia. Adoro o jeito que ele se mexe quando anda.
Quando fala, olha no olho. Pede opinião, mede conseqüências, adora meus cachorros e escreve bem. Ele beija bem, pega bem e isso que você está pensando ele também faz bem.
Ele me trata como mulher e não como o “brother” dele.
Gosta de mim porque sou desbocada, porque não freqüento manicure e não faço luzes no cabelo, porque prefiro tatuagens ao invés de sapatos e me agarra quando uso All Star. Não se espanta com tequila, não julga e retruca com classe e bom humor cada “piada-baixaria” que falo em pleno horário de almoço.
Ele gosta de viajar, lê três livros de uma só vez, se empolga sempre e me acha linda mesmo quando faço faxina. Ele chora, respeita e não me troca por qualquer vaca que tem o carro do ano. Ele não sente prazer em usar o próprio orgulho contra mim nem briga comigo pelo MSN. Ele é verdadeiro e é cheiroso.
6:30 a.m.: Já falei que odeio despertador?

Tuesday, May 22, 2007

Vida a dois

De Fernando Alonso


- Oi Lú tudo bem?
- Tudo ‘’mô’’.
- Que cara é essa?
- Nada. Estamos indo comer onde?
- No Jardim Sul mesmo. É aqui perto e tem coisas boas lá.
- Falei com o Fê hoje. Então, vamos para a praia amanhã?
- Não, não, não, NÃO!!
- Não, não, não, não? Que putaria é essa?
- Eu não quero!
- Não quero? E o que eu quero? Não conta?
- Eu tô gorda.
- Então pára de comer essa merda dessa barra de chocolate de meio kilo! Porra!
- Como você é grosso!
- Lú vai começar? Por que você não quer ir? Nós já tínhamos combinado isso desde a semana passada!
- Por que eu sempre tenho que fazer o que você quer e seus programas? Você nunca faz o que eu quero.
- Como assim? Não fomos no pagode que você queria? Não fomos visitar aquela pentelha da sua prima também?
- Ta vendo olha como você fala!
- É verdade ué. O que você queria? Que eu mentisse pra você?
- Eu queria que você me levasse no Circo.
- No circo? NO CIRCO? Quantos anos você tem? Porra! Parece que você tem quinze anos! Você ta é fazendo pirraça! E...Ah não começa a chorar!
- Não to fazendo pirraça! Você que é egoísta.
- Pronto vai, chegamos. Vamos comer.
- Lú?
- Você não vai descer do carro?
- Não vou!
- Ah não. Assim não vai dar certo.
- Só porque estamos discutindo? Se você não quer mais avisa logo!
(partida no carro, momentos de silencio).
- Desce. Chegamos na sua avó. Vou te deixar aqui e vou comer.
- Não precisa mais aparecer se não quiser.
- Ta bom. Tchau.
(10 minutos depois)
- Alô?
- Oi ‘’mô’’
- Fala Lú.
- Vem aqui?
- Tá. To indo.
- ‘’Mooô’’. ‘’Toelho’’? Te amo viu?
- Eu também te amo bebê!

Monday, May 21, 2007

Crisálida

De Luciana Muniz

Há muito lutava contra eu mesma. Desisti de ser triste, feia, relutante. É a minha verdadeira natureza? Não sei... Olhei para dentro de mim e vi poucas qualidades e muitos defeitos. Vi podridão, egoísmo, medo...
Mas você enxergou apenas as qualidades, viu um ser que evitava a presença das pessoas por não saber como lidar com elas.
O mundo era apenas escuridão antes de encontrar o brilho do seu olhar. As flores não tinham perfume e suas cores eram apagadas, eu não via magia alguma em apreciar a diversidade de espécies que me cercavam.
Mas os dias foram passando, ora lentos, ora depressa demais. Algo mudava dentro de mim a cada dia, eu não conseguia entender o que poderia ser! Sentia um calor todas as vezes que olhava para a minha direção, e era justamente este calor que me dava mais forças para seguir em frente!
Lutei contra o casulo em que me aprisionei. Foram diversas tentativas. Por vezes ficava exausta, mas seguia tentando. Passei a acreditar que talvez a vida pudesse ser mais leve e colorida se eu conseguisse atravessar essa difícil etapa.
Hoje sei que não é nada fácil olhar para dentro de si mesma... Mas eu sobrevivi a isso. E jamais poderia imaginar o mundo que me aguardava.
De repente senti meu corpo leve, quase a flutuar! Senti o calor do sol me aquecendo, como se estivesse a saudar minha presença por entre as flores.
Novamente intui que você estava a me observar, maravilhado com a minha transformação, evidente aos olhos de qualquer um que tenha me conhecido anteriormente.
Agora entendo sua intenção ao me guiar tão ternamente. Por mais que eu fosse feia e egoísta, estando consumida por mim, você sabia que um dia eu poderia me libertar e me tornar bela e altruísta, superando os obstáculos.
E divagando sobre as sutilezas das suas lições, continuei a descobrir os campos floridos, que de fato me aguardavam para compor a sua obra. E não olhei para trás. Mas sei que se o tivesse feito, teria visto o meu casulo vazio, casulo este que um dia abrigou uma lagarta, mas que também libertou uma borboleta.