Friday, June 08, 2007

O helicóptero

De Leandro Molino

A vida é uma coisa realmente estranha. Estranhamente engraçada, divertida. Mas não deixa de ser estranha. Cada indivíduo possui a sua própria história, mesmo fazendo a mesma coisa que os outros estão a fazer: viver. Isso decorre de um montão de associações, desde as escolhas que fazemos, até as características físicas. Uns são mais altos, outros mais baixos. Uns mais fortes, outros nem tanto. Uns mais sagazes, outros menos. E assim é a humanidade, plural. Graças a Deus! Todavia, uma coisa une estes seres que, apesar de humanos, são tão diferentes: as vicissitudes. Todos nós, em dado momento de nossas breves existências, passamos por alguns momentos não tão agradáveis. O que diferencia os homens, nestes casos, é a forma como tais situações são encaradas. Para muitos, o “ato heróico” seria a forma mais adequada de resolver tais situações. Defino o “ato heróico” como aquele conjunto de ações que o sujeito promove no intuito de mostrar que ele sabe qual é o problema, sabe qual é a solução e sabe, mais, com toda a sua sapiência, como administrá-lo. É o “sabe-tudo” que enfrenta a tudo e a todos. Para outros, a melhor maneira é eximir-se da questão, deixando-a de lado. É o omisso, aquele que espera acontecer. Tudo. Estas duas formas, ao meu ver, são limitadas e, em verdade, não resolvem as situações surgidas no nosso cotidiano. Existe, sim, um meio termo. O “ato heróico” pode até resolver uma ou outra questão. Como em uma guerra, por exemplo. Mas quantos de nós, em pleno Século XXI, estarão, verdadeiramente, inseridos em uma guerra real? E o “ato heróico”, ademais, demanda de um gigantesco desgaste emocional. Sempre maior do que o necessário.O fato é que as coisas nunca são tão difíceis quanto parecem ser. Nós, humanos, é que a enfeitamos, tornando-as um monstrengo tão horroroso que não há Pitanguy na vida que dê jeito! Quando as questão da vida surgirem, compreenda que não são de tão difícil solução assim. Somo nós que as tornamos semi-impossíveis. Duvida disso? Pois bem. É seu legítimo e inalienável direito. Mas proponho um exercício: desapegue-se. É! Desapegue-se das questões. Elas existem? Sim, claro. São situações difíceis? Logicamente, pois a dificuldade compõe a convivência. Mas somente uma ferramenta se demonstrou eficaz para a solução destes fatos: a inteligência, capacidade que todos nós dispomos. Seja inteligente com você mesmo e, diante de uma determinada situação, desapegue-se dela e “voe de helicóptero”. É isso mesmo: sobrevoe a tal situação. Imagine-se dentro de um helicóptero e enxergue aquela situação corrente lá de cima, vislumbrando não somente o que está a sua frente, mas outros horizontes, outros recantos, outras possibilidades. Voe de helicóptero sempre que possível! Não estou pregando que você se exima de tudo, pois como pais, filhos, irmãos e profissionais temos as nossas naturais cotas de responsabilidades. Veja bem: voe, com o compromisso de retornar ao solo, propondo uma solução que somente poderia surgir se a tal situação fosse observada por um terceiro. E lá de cima! Podem até chamar-lhe de ausente. Mas, com o tempo, perceberão que você é muito mais presente do que se imagina, pois, inteligentemente e sem desculpas, traz e apresenta as soluções. Voe.

Wednesday, June 06, 2007

Anônima

De Lucimara Paiva

Quero ser uma mosquinha para descobrir o que você faz ou diz quando ninguém te vê. Assim poderia voar para bem perto do seu ouvido, falar tudo o que penso e novamente sumir.
Quero ser a sombra que te olha de longe e incomoda, mesmo que você não saiba que estou ali apontando o dedo na sua cara para lhe mostrar todos os seus erros.
Quero ser seu anjo e seu diabo, alternar os lados do seu ombro, controlar cada passo, reprimir cada vontade e podar tua opinião. Sinto muito se a sensação de poder for só minha. O importante é que não me atinja.
Não quero olhar nos seus olhos, ficar vulnerável, ter a resposta de troco na mesma altura. Vou mandar recado sem nome só para servir de ameaça.
Queria bisbilhotar sua vida, denegrir sua imagem, te humilhar de graça e sem motivo, apenas porque me dá prazer.
Porém sou de carne e osso e nada do que eu disse é possível, então uso o que o século 21 me deu sem esforço: a internet.
Falo o que penso, xingo e detono quem eu quiser, descubro tudo da sua vida, não meço palavras e espalho comentários deprimentes por aí.
O que eu quero mesmo é fazer com que você fique mal sem nenhuma razão construtiva. Como? Escondo minha cara, viro um personagem, falo sem palavras e respondo tudo como anônima. Você nunca vai descobrir.

Tuesday, June 05, 2007

Ferrari

De Antonio Zubieta

O que todo mundo quer eu não quero. Por exemplo, eu não quero uma Ferrari. É decidi isso hoje.

O câmbio é duro, as marchas, curtas demais. Você mal engata a primeira e a segunda sai. O banco desconfortável. Quiseram inventar de ser esportivo e tem tanto frufru que as costas doem. No porta-luvas o pior. Por causa do airbag (isso é bom) não há espaço suficiente para colocar a carteira. As chaves de casa ficam fazendo barulho dentro do minúsculo espaço que é destinado, imagino eu, para este fim. O cara que projetou o espaço interno não é o mesmo que fez o carro por fora. Me disseram que o objetivo era esse mesmo. Este carro não é preparado para viagens longas. Outro dia fui até o Rio de Janeiro. Demorei 3 horas e um par de multas.

Fui até a fábrica da Ferrari, é, eles convidam os proprietários para uma visita na fábrica. Pediram autorização para colocar meu nome no painel de proprietários. Me deram uma senha para acessar o site e ficar informado de todas as babozeiras amarelas e vermelhas. Um porre! Tem um monte de jantar chato, coquetel, convite para degustação de vinho, desconto, imagino se isso é útil, para comprar sapatos prada e bolsa fendi. Dei a senha para minha empregada.
Ontem ela disse que entrou no site e que vai num jantar num restaurante lá no Itaim.

Ontem me ligou um cara da concessionária e perguntou se eu estava satisfeito com o carro e com o atendimento. Com o atendimento não pude dizer nada. Nunca precisei dos serviços deles. Do carro, bem, pedi para trocar. Eu só preciso de um carro para trabalhar.

Monday, June 04, 2007

O Bronze imaginário

De Luciana Muniz

Quando cheguei ao aeroporto muitos nos aguardavam, estavam ansiosos para receber todos aqueles que participariam da importante exposição. Somente as melhores obras daquele famoso escultor seriam expostas, e eu estava orgulhosa por participar de um evento tão badalado.
O transporte das peças para o museu foi demorado, calor intenso, muito trânsito e eu me sentindo mal por ter que fazer o trajeto frente a frente com um arqueiro de bronze a me fitar, e com sua flecha apontada para os meus pés. Por um instante achei graça deste meu mal estar, totalmente imaginário, ele nada poderia fazer para me ferir.
Finalmente chegamos ao museu, que já contava com mais pessoas especialmente selecionadas para cuidar do bem estar daqueles que dariam sentido à toda aquela logística de transporte. O dia se foi e eu aguardei pacientemente que o sol novamente se elevasse no horizonte, para então observar atentamente a fisionomia das pessoas que visitariam a exposição. Para mim é gratificante ver as mais diversas reações nos rostos que fitam as telas e as esculturas. Uns se admiram com os contornos perfeitos esculpidos artisticamente no bronze, outros se emocionam com a expressão facial das minhas companheiras e se põem a pensar intimamente em mil coisas. Eu as chamo de companheiras porque as vejo assim, como verdadeiras irmãs, pois junto delas viajei pelo mundo, fazendo parte da rotina de muitas exposições. Mas esta exposição em especial teve um sabor diferenciado para mim.
Aconteceu no terceiro dia em que o museu abriu suas portas para os visitantes. Uma garota dos seus oito anos se aproximou timidamente de mim, mas de início não reparei muito nela, pois não imaginava que em mim houvesse qualquer coisa que despertasse a curiosidade infantil. Mas os minutos corriam velozmente e ela não parava de me examinar, confesso que me senti incomodada, principalmente quando em uma olhadela, reparei que ela imitava a minha postura. Seus pais vieram ao seu encalço e eu não entendi porque ficaram com os olhos rasos de lágrimas. Por fim ouvi a mãe confessar baixinho para o marido que sentia um nó na garganta só de pensar que a pequena não sobreviveria a tempo de se tornar a primeira bailarina do teatro municipal. Tinha uma doença grave e sabia disso, por isso era tão silenciosa.
Depois daquela tarde comecei a imaginar as motivações que levam os escultores a criar esculturas tão perfeitas, tão reais. Se eu tivesse o dom de criar algo, faria exatamente como o meu mestre fez, criaria uma bailarina com uma linda saia em musselina e as longas madeixas presas em uma trança. Uma peça que inspirasse e ao mesmo tempo enchesse de esperança os corações daqueles que soubessem ver vida em uma escultura de bronze como eu.