Friday, April 13, 2007

Síndrome de aceitação.

De Leandro Molino


Se existe um fato que é absolutamente democrático no nosso “Brasilzão de Deus” é a total e completa ausência de qualidade de vida que nos é impingida. Sejamos ricos ou pobres, dispomos de ambientes coletivos e de serviços públicos de péssima qualidade. E em razão deste fato, diariamente somos atingidos em nosso cada vez mais escasso tempo, necessário para usufruirmos as nossas conquistas. Este é um fenômeno que atinge a todos, habitantes das grandes, médias, pequenas ou pequeníssimas cidades brasileiras. Não dispomos de hospitais públicos de qualidade, de segurança, de ruas, calçadas e praças bem-cuidadas, de transporte rápido, eficiente e pontual, de limpeza pública, de cuidados. E este “fenômeno” é potencializado, exponencialmente, aos brasileiros e brasileiras que (sobre)vivem nas grandes cidades, tais quais São Paulo, Rio de Janeiro e outras tantas Capitais. Somos “obrigados” a aceitar determinados fatos, sobre os quais não temos qualquer responsabilidade, como se estes fossem “elementos naturais” da vida, entre estes o trânsito infernal, os congestionamentos, os alagamentos após as chuvas de verão, as filas nos Bancos, entre outros. Fenômenos do nosso tempo. E dá-lhe depressão e síndrome do pânico! O que mais espanta nesta história toda é que quase que eclesiasticamente, como se fôssemos um bando de monges zen-budistas, aceitamos tudo isso sem realizarmos sequer uma reclamação. Não me refiro àqueles comentários desairosos que sempre são proferidos nas filas dos Bancos, por exemplo. Refiro-me a reclamações efetivas, daquelas que gerariam algum resultado prático e positivo. Aceitamos tudo isso, e outras “cocitas mas”, sem evidenciarmos um traço sequer de destemperança, de insatisfação. Enfim, desenvolvemos a impressionante capacidade de aceitarmos tudo de ruim que nos é propiciado pelo atual “Sistema”. E uma democracia de fato somente pode ser considerada madura em decorrência da participação da maioria dos seus “beneficiários”. Ou seja: do ponto de vista ideológico, somente há de se falar em democracia quando há participação. Não participamos e simplesmente aceitamos. E vamos vivendo. E por que agimos assim? Porque participar dá muito trabalho. E já realizamos tantas tarefas cotidianamente, puxa vida! E, ademais de tudo, não conseguiríamos alterar nada na nossa rotina se participássemos, não é verdade? Mentira, caras-pálidas! A total e induvidosa ausência de qualidade de vida que vislumbramos atualmente em nossos Bairros, em nossas Cidades, em nossos Estados, enfim, em nosso País, é decorrente única e exclusivamente de nossa incrível capacidade de “jiboiar” e de optar por aceitarmos as coisas em seu estado atual. Não queremos nos dar ao trabalho de questionarmos se as coisas estão bem ou não. E se existem alternativas às coisas que não são tão boas assim. Somos super competentes em permanecermos de papo para o ar toda a vez que o assunto resvala na necessária participação da cidadania. Na participação política. Se você, questionado por conhecidos, afirmar que faz política, por exemplo, pode ter certeza que lhe encararão quase como um rufião! Quase como um criminoso! E a quem interessa isso? Quem acertar a resposta ganha um doce! Ou deixamos de lado essa coletiva síndrome de aceitação que nos acomete, ou viveremos sempre assim, a perder, a cada minuto do dia, um pedaço importante da nossa qualidade de viver. E os nossos filhos e netos viverão em Bairros, Cidades, Estados e em um País, enfim, centenas de vezes piorado. Impossível? Pague para ver.

Thursday, April 12, 2007

Saco cheio

De Léo Lousada


Hoje acordei de saco cheio. Não mau humorado, acordei de saco cheio mesmo. O primeiro saco cheio do dia foi acordar cedo. Quero pendurar pelas tripas quem disse que Deus ajuda quem cedo madruga. Eu fiquei pedindo para Deus me ajudar hoje de manhã e parar o tempo para eu dormir mais e ele não me ajudou. O segundo saco cheio do dia é pegar o ônibus para ir trabalhar, porque além de ser um saco, é cheio.

Aí você chega no trabalho com o “saco” de e-mails cheio de coisas para resolver. Hoje então.......vixe......além do correio eletrônico, eu tinha uma pilha de matéria para ler e dar aula. Um saco de plástico cheio de papel a ser lido, digerido e ensinado. Logo hoje que o saco tá cheio.

E ainda tem cliente que liga e vem enchendo o saco, porque também está de saco cheio, e faz com que o seu saco fique transbordando. É... essa semana eu estou mesmo de saco cheio. Principalmente, quando imersos na vida moderna, ou ultramodernista como alguns filósofos chamam nossa época, temos a nítida impressão que remamos, remamos e não chegamos em lugar nenhum. E nem é aquele sentimento de nadar, nadar e morrer na praia não, é não enxergar a praia pela frente meeeeesmo.

Tenho que confessar que hoje eu tava sem saco para escrever, por isso espero que vocês tenham saco de ter lido esse desabafo sacal.

E como num tô com saco de escrever mais, hoje fico por aqui.

Saco!

Wednesday, April 11, 2007

Pedido de silêncio e falta de paciência

De Lucimara Paiva

Andando pela Faria Lima resolvi aumentar o volume do MP3 o suficiente para não ouvir o barulho da rua. Queria ficar alheia por uns instantes. Funciona como um pedido de socorro. Já estava cansada de suportar o cobrador do ônibus falando por duas horas e meia sem parar.
Comecei a pensar que seria bom ficar surda às vezes. Pouparia minha cabecinha de um monte de lixo verbal.
É só colocar o pé para fora de casa que o caos começa. Sinto que sou o alvo. Esforço-me para parar de prestar atenção nas pessoas, mas quanto mais eu fujo, mais gente estranha aparece e mais merda eu ouço.
Não que eu não tenha surtos de idiotice, mas se for para ser idiota que seja com conteúdo e bom humor. Não agüento esses diálogos cada vez mais profundos:
-E aí, tranqüilo?
-Tranqüilo. E aí, tranqüilo?
-Tranqüilo.
-Está almoçando sozinho? Posso sentar-me aí? Temos muito que conversar.
O resultado foi uma dor de estômago que durou a tarde toda, que só não foi pior que a dor que eu ganhei depois de virar do avesso de tanto rir com a pergunta mais sexy, romântica e etérea do mundo: “Estou sentindo um frio na barriga. Será que é deus?”. Coitado do cara que precisou responder.
Desculpe, querida, se você chama de deus eu não sei, mas eu conheço como tesão ou diarréia. Além disso, nunca vi experiência religiosa surgir de dentro do intestino quando se está pelada com alguém. Eu também conheço isso por outro nome: gases.
Outro local que me atormenta é banheiro de bar. Nem xixi posso fazer em paz. Tenho fé que essas loucas só falam besteira porque beberam demais. Se eu broxei, imagino um cara ouvindo isso. Explica muita coisa. Explica também porque a mulherada se esconde em dupla no W.C.:
-Você está “pegando” o Ricardinho?
-Ai, estou. Lindo ele, né?
-É. O mais legal. OS outros nem são tanto assim.
-De Alphaville, dos que eu conheço, ele é o mais legal.
-Ah, eu também conheço um pessoal legal em Alphaville.
-Nossa, viu que acharam você a cara da Cláudia Leite?!
-Japonesa com a cara da Cláudia Leite é duro, hein?! Sei lá de onde tiraram isso, mas adoreiiiii!
-Ninguém vai dizer que você tem o corpo da Cláudia Leite, ninguém fala assim. Falam que você tem a cara de alguém.
Cambaleava tentando sair lá de dentro:
-Ai, caralho! Bati meu cotovelo na porta!
-Cale a boca, não fale essa palavra! Faz tempo que eu não sei o que é isso!
Fechei o zíper da minha calça lentamente, abri a porta lentamente e do mesmo jeito parei e olhei para o espelho. Assim fiquei por cinco minutos, perguntando se esse era o ápice da felicidade que eu tanto procurava. Estava quase me convencendo, quando abri a porta para ir lavar as mãos, porque as pias ficavam do lado de fora, quando vejo a sósia da Cláudia Leite vomitando dentro do cesto de lixo, enquanto a outra alisava seus cabelos alisados:”Vomita, minha filha, vomita.”.
Chega, isso foi demais.

Tuesday, April 10, 2007

''Concentre-se, um pouco que seja e pense no significado do amor para você. Pensou? Agora imagine qual a relação de tudo isso com a morte?''

De Antonio Zubieta

Concentre-se, um pouco que seja e pense no significado do amor para você. Pensou? Agora imagine qual a relação de tudo isso com a morte?
Demorei para entender a relação deste texto de Drummond com tudo o que há na morte. Por isso o melhor a fazer é receber esse dom e nao se perguntar porque.


Não teve tempo de tirar sua roupa e chapéu de chefe de cozinha. Começou a escalar por seus cabelos negros, grossos e fortes. Enquanto subia orientava-se por seus olhos hipnotizantes e suavemente carinhosos. Olhos de boneca; imortais e mortalmente apaixonantes.
Foi então, quando defronte dela, que lentamente mas continuamente, como um padeiro tira uma bisnaga do forno, que a matéria cresceu. Naquele momento lembrou do seu bisavô com a bengala de ponteira-de-quadro-negro feita de Jacarandá. Lembrou das milhares de pessoas que podiam estar fazendo o mesmo.
Lembrou tanto quanto pôde de admirar a sensualidade de Havana. E que agora estavam ali sentados, conversando sobre tudo e sobre nada. Ao lado da pizza doce e do vinho seco e que agora o momento era só deles.
O momento tinha um quê de sentimento puro de inocência. Ao mesmo tempo também de cumplicidade, amor e de matéria viva que perdoa.

Ela mal sabia, mas ele passou a noite à espiá-la. Administrando e guardando seu sono terno. Mas a noite passou muito rápido e quando pensou em cochilar o sol despontou sobre seu ombro.
Era o sinal de que tinha que começar a descer. Deixar de olhar pela última vez aqueles olhos lindos.
E enquanto descia fixava o olhar nela e parecia levitar.

Ficou até tarde na mesa do café fazendo bolinhas de miolo de pão – era isso? Precisava saber o que passava por sua cabeça. Estava intranqüilo pela perda e ansioso por revê-la num sentimento incondicional e impossível. A ligação amorosa agora estava por se dissipar com um último afago, um último beijo e olhar. Somente o tempo dirá o dia do retorno.
Ficou com medo de estar humanizando demais a vida e que deveria ficar com a visão toda, mesmo que isso significasse a existência de uma verdade incompreensível para as coisas.
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Depois ficou em silêncio e sob um destino que o escapa, como um simples fragmento hieroglífico.
Ao olhar a foto dela lembrou de toda sua aventura, da escalada, do sono, dos beijos, de suas mãos.
Meteu a mão no bolso e reparou que havia guardado as bolinhas de pão - e ficou com elas.

Monday, April 09, 2007

Antítese

De Luciana Muniz

Muito se fala em dietas milagrosas para perder peso. Mas há também uma categoria menos lembrada, mas existente e tão problemática quanto. Pessoas com dificuldade para ganhar peso. Sim, elas existem!
Em um mundo dominado pela ditadura da beleza, exaltando mulheres magérrimas, Brendha segue na contramão. Mesmo sendo magra por natureza, odeia a sua condição. Acha-se sem graça, pálida, insossa... Na adolescência chegou a vestir uma calça por cima da outra para esconder a magreza. O seu sonho secreto é alcançar os 50 Kg. Mas há mais de dez anos não sai dos quarenta e oito...
Por mais que coma massas, chocolates e incontáveis alimentos calóricos, sempre sai frustrada e raivosa do encontro com a balança.
Que não tem a mínima tendência para engordar é fato. Mas há um porém... É nervosa. Muito nervosa. Destas que quando possuem algo martelando na cabeça perdem o apetite de imediato. A comida por mais apetitosa que seja pára na garganta, não desce!
Forçar comer? Jamais! Da ultima vez que fez isso para não desmaiar de fome, passou mal a semana inteira com ânsia.
Triste paradoxo... Não é bulimia... Nos casos de bulimia há a culpa por comer em demasia, sua culpa é justamente por não sentir vontade de se alimentar.
Não é anorexia... Pessoas com anorexia se acham gordas mesmo estando magérrimas, mas no caso dela se sente muito magra, distúrbio alimentar adoçado com o desejo e a dificuldade de engordar.
Inveja as suas colegas de trabalho, elas costumam comer muito mais quando ficam nervosas com o namorado ou preocupadas com os relatórios para a diretoria. No final do dia lamentam terem exagerado no almoço, mas podem sair para dançar no sábado à noite, sem culpa e sem medo de emagrecer.
Já ela não... Justamente ela que adora se acabar nas pistas de dança, tem que se conter, senão volta aos 45 Kg com uma facilidade amarga!
Em conflito com os seus pensamentos vê como suplício a hora do almoço, onde tem que estar sempre acompanhada e despreocupada, senão não se alimenta. Fica nervosa, nada come. Fica com medo de não comer e emagrecer mais e mais. Não tem vontade de comer. Tem vontade de engordar. É ansiosa. Reflete sobre seus paradoxos e fica preocupada. Mas tem que se manter calma senão não almoçará novamente. E perderá peso...
Apesar de Brendha ter um corpo que é o sonho de nove entre dez mulheres, não está satisfeita consigo mesma. Ela pode estar muito próxima do corpo ideal, mas ainda distante dos seus inatingíveis 50 Kg...