Friday, February 16, 2007

A romântica combinação da pulga e do percevejo

De Leandro Molino

Em determinado período da minha infância, uma musiqueta infernal, daquelas que “aderem” aos ouvidos, povoava as minhas tardes de Domingo, especialmente quando minha mãe e minha avó assistiam ao Sílvio: “Torce. Retorce. Procuro, mas não vejo: não sei se era a pulga ou se era um percevejo.”Esse era o infernal refrão da tal canção, interpretada pelo Gilliard (é assim que escreve?). Vocês se lembram? A tal musiquinha “embalava” aquelas tardes de Domingo. Começava a sua letra anunciando que a tal pulga havia feito uma “combinação” com o tal percevejo. Mas que “raio de combinação era aquela?”, indagava. Durante muitas tardes daquele período da minha infância fiquei preocupado com a tal “combinação”. Período gostoso aquele, o da infância. De descobertas. Muitas desalentadoras. Mas, todas, de aquisição de conhecimentos. Ou, mais chique, de know-how. Lembro-me bem de uma descoberta impressionante daquele período: a sexualidade, o interesse nas meninas. Não desejávamos, em verdade, crescer, pois as responsabilidades dos adolescentes eram infinitamente superiores às das crianças. Todavia, ao mesmo tempo, não gostávamos mais de sermos tratados como meras crianças. Assim, a descoberta de “certas coisas” era o marco da saída da criancice par o início de uma “nova era”. Está meio complicado de explicar, mas creio que todos entenderam, haja vista já terem passado por esse período. Tanto as meninas, quanto os meninos. Assim como eu. E foi naquele período da minha vida que a tal musiqueta do Gilliard surgiu. Eu, além de outras coisas, já não agüentava mais assistir o Sílvio: o “Domingo no Parque” era “coisa de criança”. E o restante do Programa do Sílvio, não entendia muito bem: “Que graça tem aquela tal de Perla?”, pensava. Só me interessava aquele quadro (do qual realmente não recordo o nome) onde uma criança, selecionada pela Produção, era “enfiada” dentro de um foguetinho metalizado, totalmente hermético e sem visão do palco. Ademais, faziam a tal criança colocar fones de ouvido gigantescos, duas vezes o tamanho da cabeça da coitada. A criança, sem ouvir nada, tinha que responder “sim” ou “não” em um microfone instalado no foguetinho toda a vez e uma sirene vermelha acendesse na sua frente. E toda a vez que acendia aquela maldita sirene vermelha era porque o Silvio estava fazendo uma pergunta à criança, do tipo: “Você aceita trocar uma caixa de fósforos por uma bicicleta?” Conforme o tempo ia passando, e a criança acumulando prêmios, o Silvio começa a sacanear a coitadinha: “Você aceita trocar a sua bicicleta e o seu vídeo-game por um isqueiro?” E a coitada da criança, que não ouvia nem via nada, muitas vezes aceitava as trocas mais esdrúxulas. E a platéia, e os telespectadores, lógico, torciam, ora pela criança, ora pelo Silvio. Eu achava o máximo aquilo tudo: o foguetinho, a criança com um fone de ouvidos que a tornava parecida a um E.T. e o sarcasmo do Sílvio, muitas vezes exteriorizado pela característica e rasgada risada. Bom, retomando a história da fase das descobertas, aquela musiquinha da tal “combinação” da pulga e do percevejo me auxiliou numa daquelas. Quer dizer: não é que “auxiliou”... Eu tinha, acho, uns 7 anos de idade. Estudava em um rigoroso e renomado Colégio da Aclimação, bem ao lado do Parque, em São Paulo. Quem conhece o tal Parque já sabe sobre qual Colégio me refiro e sobre a sua fama. Estava eu lá, no “auge da forma”, aos 7 anos de idade, quando comecei a reparar em uma coleguinha de sala de aula. Morena, de cabelos curtinhos, ela era “perfeita”. Pelo menos para uma criança de 9 anos de idade. Eu reparava em tudo: na forma dela andar pelo Colégio, no Recreio; nas suas roupas sempre limpinhas; nos seus trejeitos indicativos de uma futura perua. Notei que tudo o que ela fazia passou a me interessar sobremaneira. Comecei a estranhar aquele meu comportamento. Quando em casa, ao pensar na tal menininha, aconteciam coisas estranhas com o meu corpo... Não se espantem mães e tias: isso acontece com todos os meninos, invariavelmente. Enfim, eu acreditava estar apaixonado pela tal coleguinha. Já tinha assistido umas trocentas vezes com a minha avó “E o vento levou...” e tinha a convicção de que o que se passava comigo era paixão, como nos filmes. Pura. E pequena, proporcional ao meu tamanho. Mal sabia que o que estava sentindo era algo normal, não maior do que uma dor de barriga, daquelas que ocorriam após comer uma caixa inteira de “Bis”. Então, depois de divagar por dias, resolvi tentar me aproximar da tal coleguinha. Coragem adquirida. Bom começo. Contudo, obstada no instante seguinte: “O que eu vou dizer a ela?”. As palavras, nestas situações, são importantes. Necessitava, urgentemente, bolar uma estratégia. Mas não poderia ser mais uma estratégia. Ela era linda e não existia menina mais bonita no mundo. Pelo menos naquele instante. Então, a tal estratégia teria que ser tão diferenciada quanto ela, a “vítima”. Esperei a aproximação do “Dia dos Namorados”, 12 de junho. Passei meses aguardando tal fato. E, com muita manha e choro, convenci minha mãe (coitada...) de que eu tinha uma namorada e que “precisava” dar-lhe de presente um perfume da “Água de Cheiro”. Isso tudo com 7 anos de idade! Minha mãe, não é preciso dizer, deu risada tão logo lhe falei sobre aquela situação: “Que namorada, que nada! Você lá tem idade para essas coisas, menino?”. Percebam que rolou um mix de ciúmes de mãe com surpresa. Não me lembro direito como a convenci, mas o fato é que lá estávamos na véspera do “Dia dos Namorados” de 1982, na loja da “Água de Cheiro” que existia na Lins de Vasconcellos (existe ainda?). Comprei um, depois de umas treze horas escolhendo. Que estratégia inédita, não acham? E no dia seguinte, ao chegar ao Colégio, pedi para uma outra amiguinha avisar a coitada de que eu estaria esperando-a “no corredor da Biblioteca, ali, bem acima da quadra”. Era um local mais ou menos ermo, pois os alunos subiam aquelas escadas somente para irem à Biblioteca. Subi correndo aquela escada. Passei de fininho pela frente da Biblioteca, para que a bibliotecária nada percebesse, e esperei. Cansei de esperar. Sentei. Quando já estava quase deitando, de tão cansado de esperar (lembrem-se que quando temos 7 anos a nossa noção de tempo é diferente), eis que surge a mais bela das meninas do Colégio! Levantei mais do que rápido e, gaguejando demais, disse-lhe, romanticamente: “Esse presente é pelo Dia dos Namorados: posso ver a sua “pulga”? Eu te mostro o meu “percevejo”!”. Coisa elegante de se dizer, não é mesmo? Não é preciso dizer que não vi a “pulga” da tal menininha. Ela também não viu o meu “percevejo”. Podem ficar tranqüilos. E, pior, levou o tal perfume consigo e me deu um tapa na cara! É: um tapa! A dor daquele tapa foi uma dolorida lembrança do restante daquele ano. Mas nada que não desaparecesse no ano seguinte, quando novas meninas passaram a compor a minha Turma e, também, passei a reparar em outras meninas da Sala. E, naquele dia, a “pulga” e o “percevejo” não fizeram combinação alguma...

Thursday, February 15, 2007

Coisas da vida....da propaganda.

De Léo Lousada

Num belo dia desses em que você está fazendo seus “free-lances” no mundo da publicidade e propaganda, caiu no meu colo um anúncio de cereal matinal que prometia regularizar o intestino de qualquer “enfezado”. A única coisa bizarra era a exigência do cliente de usar uma imagem de um "saca-rolha" para a peça e precisava de um texto que complementasse isso. Primeiramente devo confessar que achei aquilo de um mau gosto tremendo, mas fui em frente.
Sem muita inspiração, mandei o primeiro texto de uma forma mais descritiva, algo como: “o novo cereal XYZ foi desenvolvido como um complemento matinal que auxilia no tratamento de intestinos preguiçosos. O cereal é feito à base de fibra que facilita o processo de digestão e ajuda a evitar a prisão de ventre. As fibras funcionam como um ”saca-rolha” daquele mal-estar que incomoda...”. Claro que não foi aprovado. O cliente queria algo mais pessoal, que as pessoas se identificassem. OK, ele estava certo. Então vamos para a segunda tentativa agora usando o slogan que ele queria: “Viva uma vida mais leve”. O texto foi algo como: “Márcia acorda pela manhã e já pega seu XYZ. Ela tinha um “probleminha” de intestino preguiçoso e sua amiga Adelaide indicou XYZ para ela. Depois que Márcia começou a fazer seus cafés da manhã com XYZ, sua vida se tornou mais leve. O cereal foi como um abridor de vinhos...”. Outro texto que não foi aprovado. E assim foi, texto após texto sendo devolvido e reformulado pelo perfeccionista cliente. Uma hora a paciência acaba e é nessa agora que bate o momento ”foda-se” e a partir daí eu resolvi escrachar de vez para me livrar daquele aborrecimento. Quem sabe eu não tinha captado o espírito “abridor de vinhos” e pedisse outro redator? Comecei já mudando o slogan para “Doce e leve como a vida” e mandei o seguinte texto: “Muitas das melhores coisas da vida demoram alguns anos para ficarem no ponto. Os vinhos são assim. Alguns precisam ficar maturando até atingir o grau certo para degustação. E você é assim também. Todos os anos de sua vida, que proporcionaram as vivências que você teve até aqui, são partes fundamentais de como você é. E assim como os vinhos, você tem que deixar-se apreciar para que sintam o sabor de suas experiências. As pessoas querem ter o prazer de beber um bom fermentado de uvas e não uma bebida amarga. Não deixe que um problema como o intestino preguiçoso faça de você um vinho amargo. Use um nobre e saudável abridor feito da mais pura fibra e torne sua vida mais leve como um vinho suave. Mostre como um gostoso aroma pode ser sinônimo de uma ótima saúde”. O texto foi mais ou menos esse. E eu achei bem mais ou menos meeeesmo, mas não é que para minha surpresa ele foi aprovado!!! Momentos depois o ditado “amarra-se o burro a vontade do dono” veio à minha lembrança e lá se foi o texto para algum anúncio, em alguma revista.
Coisas da propaganda.

Wednesday, February 14, 2007

E aí, como ficamos?

De Fernando Alonso

Estava pensando sobre como fazer minha abertura no blog. Mas na última semana a dúvida dissipou-se rapidamente após a notícia que li no jornal de quinta-feira. Poderia estar falando de diversos temas aleatórios, muitos deles mais interessantes do que falar sobre violência. Muita gente leva este tema por batido, chato. Talvez porque seja mais fácil esquecer, talvez porque gere medo, ou até porque muitos acham que nunca serão infligidos por este mal. Mas o negócio é que essa tal violência consegue revoltar-me cada dia mais. E vou falar do caso do menino de 6 anos do Rio, que chocou o país.

Todo mundo leu, ouviu, ou pelo menos escutou pela boca de terceiros o que aconteceu. O garoto, de apenas 6 anos, foi arrastado por 7 kilometros (SETE!??), até quando os bandidos se depararam com uma rua sem saída. Detalhes mais sórdidos: apesar dos gritos das pessoas para que parassem, os bandidos ainda ziguezagueavam com o carro esperando que o moleque soltasse. Segundo um deles, era o ‘’boneco de judas’’. BONECO DE JUDAS? Que merda é essa? Eles estavam falando de uma criança que morreu de uma das formas mais brutais e inconcebíveis pra uma sociedade do século 21! Sabem o que vai acontecer? Esses ‘’de menor’’, como diria meu pai, irão passar uma ‘’temporada’’ de 3 anos numa Febem (fábrica de criar marginais) para depois voltarem pras ruas, causando terror. Já olhou nos olhos de um caras desses antes? Pois é. Não tem nada lá. Matar 1 ou 10 não faz diferença.

Li também os apelos do pai, após o acontecido. O homem buscava justiça e pedia para que, após esse trágico incidente, as leis mudassem, que algo fosse feito, que a justiça tomasse providências para que ninguém passasse por isso novamente. Esse cara é um santo para ter tamanha educação num momento desses. Temo que mais uma vez, nessa terra de ninguém, a poeira baixe e nada mude.

O secretário de segurança do Rio deu um entrevista essa semana dizendo que pode ‘’imaginar o sofrimento da familia’’. Vá se fazer um barro antes que eu me esqueça. Quero ver RESULTADO. Quero saber quanto tempo eles ficarão presos (às nossas custas claro, já que há presos que custam mais de 5000,00 reais). Andei lendo por aí que isso ocorre devido a má distribuição de renda e etc. Balela, isso ocorre por má formação de carater do indivíduo. Sangue ruim. Impunidade. Corrupção e bandidagem. Afinal os adolescentes que mataram o índio em Brasilia estão soltos, e não tinha pobre algum ali. Isso é um problema de caráter, da falta de justiça. E Enquanto os caras lá em cima continuarem com o exemplo - roubos, extorções, etc. - e continuarem impunes em seus malditos cargos, intocáveis, a coisa vai continuar feia.

Tuesday, February 13, 2007

Quero ser macaco de circo

De Thiago Fabrette

Quero ser um macaco de circo!

Se todo esse dinheiro que circula na mão dos corruptos um dia vai realmente dar de comer ou salvar a vida de uma criança... Quando será que essas pessoas (pessoas!?) um dia vão colocar a cabecinha no travesseiro e pensar que o povo passa fome, pessoas dormem nas ruas, não conseguem atendimento médico ou falta remédio nas prateleiras dos hospitais...

Quero ser a Madre Teresa de Calcutá!

Se todos os padres pedófilos um dia forem punidos devidamente... Como pode a igreja ser tão omissa? Difícil comentar desse assunto...

Quero ser o Batman e o Robin (macacos me mordam)!

Se a polícia um dia parar de contrabandear armas e drogas... Se a instituição que deveria combater o crime é criminosa, quem vai nos ajudar?

Quero ser escritor!

Se um dia, os meus filhos puderem ter uma educação decente gratuita. Pagamos impostos por escolas, atendimento médico, transporte... Cadê, meu Deus?

Quero ser um periquito de realejo!

Ah, esse eu não quero ser não. Um animal contrabandeado, com nove irmãos mortos por conta dos maus tratos... Que triste sina ouvir aquela musiquinha (gostosa até), por cinqüenta, sessenta anos??

Quero ser João e Maria...Para entender realmente o que se passa na cabeça do sertanejo que vê a secaconsumir os seus dias enquanto juízes aumentam seus salários indiscriminadamente e impunemente.

E quero ser mais. Quero ser feliz, bem sucedido, bonito, bem casado, escritor, quero ser rei um dia, quero ter meus amigos por perto, quero ser amado, quero ter saúde, quero saber dançar, quero ser sempre jovem...

Quero ser tanta coisa.

Monday, February 12, 2007

Complexo de Deus

De Suzana Marion

Quem tem Complexo de Deus acredita ter todas as respostas e que seria ultrajante ouvir qualquer pergunta, que é bom demais para se explicar. Ele não tem opinião, tem certeza, não pede, ordena. Quem tem Complexo de Deus diz “haja luz” e espera em vão que o ambiente se ilumine, mas ao contrário, enegrece tudo com sua arrogância, seu autoritarismo.
Quem tem Complexo de Deus acha que está acima de qualquer lei, acima de qualquer sentimento e dentro dos pensamentos alheios. O sujeito com complexo de Deus acredita ser aquilo em que todos estão pensando, se a terra gira em torno do sol, os humanos tem de girar em torno dele. Ele conta vantagem, faz cortesia com o chapéu alheio, está sempre a procura de humilhar alguém para se sobressair.
O Complexo de Deus não vem apenas com arrogância, mas também com desprezo por qualquer idéia alheia que não possa ser roubada em sigilo, sem parecer oportunismo. O pacote completo inclui uma incapacidade extraordinária para ouvir e debater, e mesmo que o sujeito não admita (na verdade é bem certo que ele negue), é uma incapacidade como cegueira ou surdez, praticamente lhe falta um sentido.
Para citar os dois tipos mais conhecidos de complexo de Deus, recorro a dois filmes. O primeiro caso é The Devil Wears Prada (O Diabo Veste Prada). Neste exemplo a pessoa se acha tão importante, tão dona do mundo, que acredita que por serem todos descartáveis e poderem ser substituídos à qualquer momento, e por todos serem completamente incompetentes, pode lhes tirar a vida privada, fazendo ligações a toda hora e exigindo ser prioridade absoluta, obrigando a executar tarefas que não são de sua alçada. Esse é o tipo de pessoa que se acha no direito de humilhar, de fazer pressão psicológica o tempo todo, dando ordens absurdas e que nunca diz exatamente o que quer e nunca fica satisfeita com o que recebe. Mas o pior caso de Complexo de Deus é o tipo The Godfather (O Poderoso Chefão). Ele mantém seus inimigos muito próximos, dá um beijinho na sua bochecha antes de te arrasar, manda flores no dia seguinte ao seu fracasso, com um cartão dizendo “não foi dessa vez”. Você fica em dúvida o tempo todo, com medo... não sabe se ele te ama ou te odeia. E é isso o que ele busca: manter-se no poder por meio do terror constante.
É triste a vida de quem tem complexo de Deus porque esse cara não tem companhia ou respeito. Ele causa medo e indignação, é ineficaz, porque enquanto Deus de verdade se manifesta em amor, o cara com complexo de Deus age por meio do ódio. No fundo ele odeia a si mesmo (e aos outros por tabela), como se soubesse o quanto desagradável é sua presença e quisesse poupar a todos, mas na verdade ele só é triste e sozinho, inseguro... então veste essa máscara de todo-poderoso e caminha altivo por aí, procurando funcionários, filhos, colegas do clube, da associação de bairro, e transeuntes de qualquer espécie para impor seu desejo, falar de si mesmo e, é claro, infernizar a vida de qualquer cristão.