Friday, August 03, 2007

Para quê Brasil?

De Leandro Molino

Inicio a crônica desta semana já alertando: sei que irão me rotular de louco, racista, não-patriota, “anti-nordestino” e sei lá mais do quê. Adianto aos leitores e amigos que visitam esse espaço na “net” que aceito qualquer crítica, mesmo as mais duras, respeitando todas as opiniões. Mas tentem, ao menos, compreender em todas as nuanças o texto que se segue. Ele não se esgota em si próprio, pois pretende tão-somente instituir uma determinada discussão. Não sou santo, sequer o mais paciente e sábio dos homens. Todavia aprendi, com a mestra Vida que um dos primados da convivência é respeitar, principalmente os ideais dos outros. Isto posto, vamos ao texto. E seja o que Deus quiser... O seu título já sugere o roteiro que se seguirá: questiono para que serve esse trem chamado “Brasil”. Desde a formação deste País, em nenhum instante de sua história foi possível afirmar que esta nação encontrou o norte do desenvolvimento, elemento realmente capaz de dissipar, no que é possível, a mazela da pobreza, da ausência de educação e de cultura. Desde a sua “descoberta” (alguém ainda acredita na história do Cabral?), nosso País sempre foi administrado de maneira inteiramente equivocada, em razão da evidente falta de sensibilidade de nossos governantes. A inteligência dos nossos “administradores públicos” jamais atingiu este estágio, o da sensibilidade política e o do sentimento de servir à maioria e não aos interesses de seu grupo ideológico. Como sempre serviram aos interesses menores e pertencentes a uma minoria, os nossos “homens públicos” conseguiram gerar um povo individualista e receoso, desconfiado, especialmente no que concerne às divisões geopolíticas do País. Temos a sensação de que sempre está faltando alguma coisa para esse País “dar certo”. Desse modo, os devaneios administrativos que marcam a nossa História, desde as Capitanias Hereditárias, serviram para gerar o comportamento que até hoje nos caracteriza: o da segregação social. Somos racistas? Creio que sim. Mas em nossa sociedade, um outro comportamento ganha força dia-a-dia. Sejamos brancos ou negros, amarelos ou vermelhos, ou qualquer outra tipificação que seja inventada, em sendo brasileiros, somos, sim, “classistas”, pois discriminamos quem não detém ou dispõe, independente da cor da pele deste sujeito desventurado. Valoramos mais os que têm, não os que são. E, desta forma, valoramos mais o que temos e não o que somos. Nós, que habitamos a porção Centro-Sul do País, valoramos as nossas características, as nossas conquistas, a nossa historia. Os habitantes do Norte, idem. E o mesmo ocorre com os da região Nordestina. A denominada “história do Brasil” é, em verdade, uma colcha de retalhos. Nem mesmo com relação aos chamados “fatos históricos” há unidade, concordância. Daí calha a seguinte questão: somos, de verdade, um povo? Dispomos dos mesmos caracteres genéticos, culturais e comportamentais? E se não somos mais (ou nunca fomos) um povo verdadeiramente, necessitamos viver em um único País, “sobre o mesmo teto”? Hodiernamente, somos uma nação até mesmo em decorrência das questões legais: somos a República Federativa do Brasil, composta por vinte e sete estados agrupados em cinco regiões geopolíticas. E daí? Ser uma nação meramente do ponto de vista jurídico não nos torna um povo, unido pelo orgulho de sermos iguais e de determos os mesmos escopos. A principal causa da pobreza nordestina se dá pelo fato de o Nordeste pertencer ao Brasil. Loucura da minha parte? Se o Nordeste pudesse se separar do País, não existiriam mais as tão mal-afamadas verbas da “Indústria da Seca”. E o Nordeste poderia ser um País rico e vigoroso, produtor e exportador de frutas de qualidade, de vinhos nobres, detentor de uma pujante indústria do turismo, tão ou mais rica do que qualquer outra, oferecendo aos seus visitantes belezas naturais inimagináveis. As riquezas produzidas pelo Nordeste seriam administradas pelo seu próprio Governo, constituído lá mesmo, sendo destinadas a suprir as suas reais necessidades, não as necessidades que um engravatado, há mais de 800 km de distância, imagina existirem. Todos nós que vivemos no eixo centro-sul do País acreditamos, piamente, termos as respostas para todas as questões que afligem os nordestinos. Quanta presunção! E esse comortamento E o Norte do tal “Brasil”? Quem consegue, de fato, administrar e atender as necessidades de um povo que habita a maior reserva florestal do planeta? Seria alguém sentado à frente de um computador distante 1000 km da Selva Amazônica? A cada dia, ficam mais evidentes as discrepâncias deste País, onde cada vez mais há desunião ao invés de unidade. As demandas das Regiões Norte e Nordeste são absolutamente distintas entre si e entre as das outras Regiões do País. E em razão da vigência de um sistema absurdo, quem “sustenta” este País são as Regiões mais desenvolvidas. A que preço? Será que os habitantes destas regiões (supostamente) mais desenvolvidas concordam em verificar que seus impostos e taxas não lhe sejam direcionados, retornados? E será que este sistema é verdadeiramente capaz de fazer com que as regiões menos desenvolvidas um dia se desenvolvam social e economicamente? Como se percebe, do ponto de vista da lógica, não há qualquer razão para que os atualmente brasileiros se submetam, placidamente, a algo que não funciona. Nunca funcionou. Questões de soberania internacional? As “forças” que um País de grandes dimensões disporia no universo globalizado de hoje? Para estas duas questões, há controvérsias, até porque a Europa é pulverizada por diversos povos e Países. E é forte, muito forte. O que é certo, de fato, é que o mundo mudou e muda cada vez mais rapidamente. Da mesma forma, é certo que somente a partir de educação e cultura é que um povo ascende econômica ou socialmente. Errar uma vez é absolutamente humano. Mas insistir no erro, não. É doentio. Sádico. Errou-se ao pensar, ao projetar o Brasil? Sem dúvida. Então por que não mudamos tudo?

Wednesday, August 01, 2007

Ela está logo ali

De Lucimara Paiva

Temos a mania de querer saber sobre tudo, ter certeza de tudo. A sensação de controle só vem dessa maneira. Quando antecipamos, nos sentimos preservados. O “quase”, o “talvez”, o “como será” gera angústia. Apesar disso, quando temos a única real certeza, preferimos negá-la.
Eu tenho medo de morrer. E você? Se não conseguir responder, entenderei. Mas vamos morrer, sinto muito. E só de pensar nisso já senti uma pontada aqui dentro. Eita, sensação horrível. Deve ser por isso que caço assunto e fico ansiosa quando me sinto limitada. É a inútil tentativa de fazer o máximo em pouco tempo.
Você poderia estar dentro do “avião surfista”.
Poderia estar dormindo dentro do ônibus bem na hora em que uma carreta cheia de concreto quase passou por cima do mesmo gerando um engavetamento na estrada.
Você poderia estar naquele acidente de carro ou ser o escolhido por um delinqüente inexperiente - pois aqui no Brasil agradecemos quando os bandidos são “profissionais” – que só quer fazer maldade e que mantém tua vida num gatilho.
Nesse exato momento em que estou digitando esse texto, o prédio poderia pegar fogo. Na hora do almoço uma bala perdida pode me atingir ou posso comer comida estragada e morrer de infecção generalizada.
A opção de viver ou não também poderia ser minha, no caso de ser seqüestrada do nada, e na hora em que o infeliz dissesse “Tire a roupa, gatinha, vamos nos divertir um pouco já que você é pobre.”, a minha resposta imediata seria “Desculpe, você vai ter que me matar antes.”.
A morte pode ser trágica, estúpida, rápida, dolorida, lenta, silenciosa, mas sempre será inesperada. Mesmo que você seja um velhinho “da hora”, que não tenha sido ruim para ninguém e tiver 95 anos, a certeza que você pode sumir de repente, vai deixar alguém muito triste. As sensações de fragilidade e perda são indescritíveis. Nem vou comentar muito, pois vira clichê redundante.
Ê, Dona Cida, como queria que você estivesse aqui. Lembro que você sempre dizia que queria me ver casando. Lembro que você escondia as balas Soft, fazia minhas mamadeiras, me dava água com açúcar quando o tio Beto me assustava, lembro de você toda vez que vejo aquela foto do meu aniversário de quatro anos. Seu olhar meigo era único. A saudade também é, sempre foi. Assim vamos seguindo entre perdas e superações, sabendo que nunca será a mesma coisa. Só queria pedir para ver minhas tatuagens ficando enrugadas e meus netos brincando com cachorros e perguntando porque a avó deles é rabiscada. Queria pedir para conhecer tudo o que eu tiver vontade e para morrer dormindo quando mais nada for novidade. Não dá, né?
No fim, acabo tendo certeza que é melhor negar essa única certeza. Não é conformismo, é que dói menos.




PS: Eu disse velhinho “da hora” porque, como citou Fernanda Young, não é porque você é idoso que vai ganhar uma áurea de anjo e todas suas ”filhadaputices” serão esquecidas, pois nesse caso, meu caro, todo mundo vai querer que você morra sim.

Tuesday, July 31, 2007

Dorabella

De Fernando Alonso

Já se passaram 7 noites desde a gente foi pega, eu e minha irmãzinha. Me lembro bem, como se fosse ontem. Nunca senti um pavor tão grande! Eu sou mais nova que ela. É, a gente estava perto do Shopping. Como chama mesmo? Ah, Interlagos. Brincávamos no estacionamento quando nossa mãe lembrou que não tinha pago o ticket. Pediu para Clara (a Clarinha, minha irmã!) que a gente esperasse ao lado do carro. Foi quando um moço moreno grandão chegou e puxou ela pelo braço. Ela me segurou forte e juntas fomos levadas por aquele homem de nariz achatado. Ele tinha cara de mau, dava medo!

Ele tapou a boca de Clarinha enquanto nos arrastava para um carro amarelo, bem feio. Ela tentava gritar, mas não conseguia porque a boca continuava tapada. Eu gritei, mas ninguém ouvia! Ele então me jogou no banco de trás, e depois foi a vez de Clara. Ela estava muito assustada e ficava me apertando enquanto chorava. Eu também estava com medo, mas Clarinha me apertava tanto que eu nem conseguia enxergar nada!

Andamos por um tempão, e não sei bem por onde. O carro balançava muito e é difícil quando se é pequena conseguir enxergar pelo vidro do carro! E também a Clarinha não conseguia prestar atenção em nada, porque só chorava e me apertava o braço. Mas tudo bem, eu me sentia melhor, porque também morria de medo!

De uma hora pra outra o moço parou o carro. Ele desceu e fechou a porta. A gente tava num lugar muito feio e fedorento perto de um riozinho pequeninho, bem escuro e com um monte de casa feia em volta, parecia que não tavam prontas. Tem um monte de lugar assim em São Paulo né? Aí depois que ele terminou de conversar com outro moço ele voltou. Abriu de novo a porta e mandou a Clarinha calar a boca, senão batia nela. Eu fiquei com tanto medo que nem tentei falar mais nada depois disso.

Então o carro começou a andar de novo e aí a gente foi até o final da rua de terra. Chegando lá, o moço desceu e pegou Clarinha de novo pelo braço. Ela gritou por mim e ele deixou que ela me segurasse novamente pela mão. Estranho, o homem não tava nem aí pra mim, só pra Clarinha. Fiquei com medo por causa dela.

Bom, ele levou a gente pra uma daquelas casas bem feias. Lá abriu uma porta com cadeado e nos levou por uma escada pra baixo. Tinha um quarto escuro lá e sem janelas, com uma só lâmpada. Eu não gosto muito de ficar no escuro. Quando eu ficava só no nosso quarto passava muito nervoso. O bom é que a Clarinha sempre dormiu comigo. Mas então, ele jogou a gente lá dentro e trancou a porta. Minha irmã me abraçou e começou a chorar muito. Eu também queria chorar, mas não conseguia não sei por quê. E assim ficamos.

Passaram vários dias e Clarinha até emagreceu porque não conseguia comer direito. E a comida era muito nojenta também. Eles abriam a porta, deixavam o prato e fechavam de novo. Até barata aparecia no quarto. O colchão era sujo, muito sujo mesmo, e a gente tomava um monte de picada de bicho. Mais a Clarinha, comigo eles só pulavam e iam embora.

Olha, passamos um sufoco viu. Aí ontem o moço de nariz achatado apareceu e disse que a gente ia ser libertada. Ouvi ele dizer que ia deixar a gente na marginal Pinheiros, só não sabia onde ficava esse lugar. Ficamos super felizes, mas minha irmã não conseguia sorrir. Tava com medo ainda.

A Clarinha ficou esperando ansiosa a noite toda. Quando amanheceu, o moço abriu a cela e falou pra Clarinha que o pai dela tava esperando. Não sei porque não falou ‘’nosso’’ pai, mas percebi que pra ele eu nem existia! E Clarinha sempre cuidou de mim, mas ela tava tão feliz em ouvir falar do papai que soltou minha mão, pegou a do moço e assim foi embora! Ela me deixou...

Fiquei muito triste e com medo. Não sabia mais o que fazer. Eu nunca tinha dormido sozinha antes, e passei a noite mais horrível de minha vida. Abandonada pela minha família achei que ia ficar ali pra sempre.

Foi então que, quando amanheceu, uma moça abriu o quarto. Parecia que ela ia limpar lá, quando me encontrou. Ela estendeu sua mão, me pegou e me colocou numa cadeira, fora do quarto. Quando terminou de limpar, me pegou de novo e disse que ia me apresentar sua filha. Chamava Jéssica.

Minha vida então mudou. Eu não vivo mais numa casa tão legal, num bairro de casas mais bonitas. Moro agora num lugar sujo chamado ‘’Elióplis’’, ando cheia de terra e meu braço tá todo descosturado. Aqui cheira a esgoto, não me chamam mais de Dorabella, mas pelo menos eu não tô mais sozinha.

Monday, July 30, 2007

Conhece-te a ti mesmo

De Luciana Muniz

Os mistérios do universo sempre me fascinaram, sempre tive a curiosidade de saber os porquês dos porquês dos porquês e isso não deve ser à toa...
Então fui atrás da minha curiosidade, sempre guiada pela minha intuição. Li muitos livros, mas ainda sentia que lia e não entendia! A sensação de que as palavras eram literais me perturbava, foi quando li, não recordo o livro tampouco o autor, que o caminho que leva à consciência do universo é um caminho sem volta...
Sinceramente não compreendi o que isso significava, como sem volta?
Somente anos mais tarde me dei conta do seu real significado, principalmente quando li textos de Sócrates, o filósofo grego, onde ele citou sabiamente: CONHECE-TE A TI MESMO. A meu ver esta frase é a chave para a compreensão de todo o universo!
Só conseguimos compreender as outras pessoas depois que aprendemos a nos conhecer, sem máscaras, sem ilusões. Quando aprendemos a enxergar sem medo nossas qualidades e defeitos, nossos sentimentos e desejos mais profundos, estamos aprendendo também a enxergar o próximo, porque o próximo também tem qualidades e defeitos, também anseia por algo, também sente medo.
Começamos aos poucos a enxergar o mundo à nossa volta e as pessoas que dele fazem parte, de outra forma, mais real, mágica! Aos poucos e naturalmente a sensibilidade vai aflorando até que sejamos capazes de compreender o real significado de um olhar, de uma palavra, um gesto.
É um caminho sem volta sim, pois toda a inocência é perdida, a realidade se mostra totalmente, às vezes de maneira cruel. Por um lado é muito bom, pois estaremos preparados para os acontecimentos, mas por outro... Às vezes é melhor não saber, não intuir e enxergar aquilo que gostaríamos que não fosse real.
Os inocentes são felizes, mas são cegos. Aqueles que conseguem enxergar além do superficial também são felizes, mas de uma felicidade sólida, com os pés fincados no chão, pois antes de tudo conhecem a si mesmos!