Friday, June 15, 2007

ABSURDO COM LARGURA, ALTURA E PROFUNDIDADE

De Marcelo Ferrari

Infelizmente a cidade não tem mais noite. Sóis eletrônicos se acendem por todos os lados como num estádio de futebol e o espetáculo da escuridão, mesmo estando ali, fica invisível. Já morei na cidade. Bastante tempo. Suficiente para minhas retinas se esquecerem que são duas luas. Atualmente moro em um sítio. Aqui, quando fica de noite, fica de noite. E tanto, que no quarto em que durmo não faz diferença se estou de olhos abertos ou fechados. Assim, muitas vezes acordo antes do sol, da memória e de mim mesmo, só pra ficar de olhos abertos no breu. Sei que acordei. Não sei como sei, pois ainda não existo para estar acordado e contido dentro de um quarto. O que existe antes do sol nascer é nada, um breu profundo e absoluto. Só com os primeiros raios o quarto vai encarnando no espaço. Surge a porta cor de burro quando foge, a janela de ferro e o armário Marabras. E, quanto maior a intensidade de luz, maior é meu estado catatônico na cama. L.a.r.g.u.r.a! A.l.t.u.r.a! P.r.o.f.u.n.d.i.d.a.d.e ! De onde veio isto? Como pode um absurdo destes?! Tenho certeza, não estavam aqui antes. Será que foi o sol que trouxe?L.a.r.g.u.r.a ! A.l.t.u.r.a ! P.r.o.f.u.n.d.i.d.a.d.e! Então, ouço a galo cantando sem parar. E já não sou o único que deseja acordar todos para o absurdo que acaba de acontecer.

Thursday, June 14, 2007

Relaxa e goza

De Tiago Abad

Relaxa e Goza

E não é o que temos feito ultimamente? Ou nunca viu uma matéria do caos aéreo com um cara em cima do balcão da Gol gritando feito um maluco, dando showzinho e servindo de primeira capa no jornal?
O conceito de “relaxa e goza” tem mudado há alguns anos. Lembro de que quando ouvi isso pela primeira vez, foi ao esperar na fila do Banespa um salariozinho no dia 10. E olha que aquilo não era brincadeira não, horas e horas, a fila do Banespa era bem conhecida. Já ouvi este termo, em portas de estádio, em dias de trânsito indo pra praia, nas portas do saldão das Casas Bahia, e por aí vai. Creio também que é o termo mais utilizado em casas de massagem e puteiros, sem sombra de dúvidas!
Vejo também que o termo pode até ser um bom slogan pro Viagra, é uma idéia! Na era das cavernas isso não existia, era um tacape na cabeça e sei lá se existia o gozar.
E como a tecnologia vem em crescente evolução, o termo não poderia ser deixado pra trás. Há alguns anos atrás, quem imaginaria que este termo seria utilizado com referência aos aeroportos? Imagino que em breve um avião caindo, o cara do seu lado dirá “relaxa e goza”!? E se o seu filho de 4 anos pergunta neste exato momento “Pai, o que é relaxa e goza?”, é, no mínimo, o fim da história da cegonha.
Não farei menções a quem utilizou o termo, mas se eu fosse político, ministro ou filho da puta, também estaria usando este termo. Ah, como estaria! Aliás, estaria só gozando, porque relaxado já faria parte do meu cotidiano. Estaria neste momento relaxando aos cofres públicos, gozando em cada continha assalariada, em cada impostinho pago por mais um objeto da fodelança! Existe este termo? Acho que não, mas quem quiser, pode começar a usar, pois sou também um objeto da fodelança.
Desculpem os palavrões, me retirarei relaxando e gozando, em ritmo de festa: Hei hei hei!

Wednesday, June 13, 2007

Parada Gay

De Li de Oliveira

Parada Gay? Sim, eu fui. Aliás, sempre vou. E por que vou? Com toda certeza posso lhe explicar...
Não sou gay, apesar que se fosse não teria o menor problema em dizer. Mas este “ainda” não é o caso. Ninguém sabe o dia de amanhã.Vou porque quero, gosto e preciso celebrar a liberdade. Toda manifestação de liberdade para mim é válida. Na realidade, necessária. Celebro ao direito de ir e vir. Celebro ao direito da personalidade individual. O direito de opinião.Não torço o nariz para quem come jiló. Não torço o nariz para quem fala errado. Para quem é japonês, branco ou negro. Nem mesmo para quem é corinthiano!!! Por que vou torcer meu nariz para quem gosta do mesmo sexo?
Porém, torço o meu nariz (que não é pequeno tá, então é uma bela torcida) para a banalização. Seja ela qual for, e independente a respeito de quê. E desta vez me entristeci ao ver a Parada banalizada.
Muitos curiosos ocupando pouco espaço. Muitos oportunistas aproveitando para aparecer. Muitos ladrões aproveitando o tumulto para roubar. Infelizmente. Muita gente alcoolizada ou drogada. Muito gay sem a noção do verdadeiro motivo pelo o qual ali deviam protestar. Que para mim, é o respeito e direito de igualdade.
Para isso, na minha opinião, não precisam atentar ao pudor quase praticando sexo explícito. Afinal, quem é hetero também não deve fazer isto. A lei é uma só para todos, ou pelo menos, assim deveria ser.
É aquela fina linha que separa e faz muitos confundirem: liberdade com libertinagem. Cada qual corresponde uma atitude e esta difere muito uma da outra.
Ninguém tem que colocar goela a baixo seus gostos. Mas se não compartilha do mesmo, por que não pelo menos respeitar? Ninguém precisa freqüentar boates gays. Fazer festa cada vez que sabe que alguém é gay. Assim como não precisa apedrejá-los.
O sentido da Parada acredito, que seja somente este. A busca, talvez não, pelo entendimento, mas pela compreensão de que eles podem ter um gosto diferente do seu e ainda assim ser tão humano quanto.
Lógico partindo do principio que quem planta respeito, colhe respeito. Se você é gay primeiro se dê ao respeito para ser respeitado.
É isso que espero para Parada do ano que vem. Paz. Uma troca saudável de opiniões. Uma busca humana pelo direito de ser feliz seja como for.

Tuesday, June 12, 2007

Cachorro a dormir na sombra

De Thiago Fabrette

Vendo hoje a imagem de um cachorro a dormir na sombra, me vêm à cabeça muitas coisas simples.
Deixamos a simplicidade de lado e cultuamos a complexidade. Quando, na verdade, a simplicidade me deixa muito mais completo. Complexo.
E hoje eu assisto a um filme ruim que custou milhões de dólares e assisto outros muito melhores que custaram cinco mil vezes menos.
Meio simplista essa comparação? Eu sei. É assim que vejo hoje as coisas.
Uma fogueira, amigos reunidos, uma boa conversa e assuntos nem sempre complexos, quase sempre sobre o tesão de ter coisas simples e cultuar a simplicidade.
Simples como andar sobre uma montanha com poucos, mas ótimos amigos, simples como não fazer absolutamente nada na praia, vendo as ondas lamberem a areia.
Simples como o que fazer de café da manhã. Simples como rir de coisas simples. Simples como tudo o que é simples.
Dormir na sombra. Como um cachorro vadio da praia, sem se preocupar com o amanhã, com as relações políticas, sem se preocupar com o que vão pensar se verem-nos a dormir na areia, como um cão vadio ou como um bife à milanesa.
Olhar o mar. Os pássaros, as árvores. As ondas infinitas.
A montanha.
O céu, a terra e os oceanos. Não é à toa que são cultuados por povos antigos e esquecidos por nós mesmos, no dia a dia complexo. No trabalho, na relação familiar.
Vejo pessoas queridas, que cultuam a complexidade exacerbada e sinto vontade de gritar, de mostrar um outro lado. Sinto vontade de tentar mostrar-lhes. Será que vocês não enxergam? Nada disso é real, meu Deus. Nada disso nos faz mais e melhor.
E nada disso agora me completa.
O que me completa? O mar, as ondas, a montanha.
Ver o céu à noite, em volta da fogueira com os grandes amigos. Será que eu serei condenado por isso? Olharão e dirão: o que procura esse cara nessa simplicidade vazia?
Vazia? Vazia o cacete!
Olhe à sua volta e me diga, o que a sua complexidade lhe traz?
Mas, na verdade, e essa é a verdade absoluta, se a simplicidade me traz essa paz e a complexidade traz a paz ao meu próximo, quem sou eu pra julgá-lo?
No final, cada um é cada um.
Eu com minha simplicidade, vocês com a sua complexidade.

Monday, June 11, 2007

Bebê

De Suzana Marion


Bebê,

Sentir falta é colocar mais um pouco de álcool na ferida, pois sempre lembra o ruivo Nando que “a falta é a morte da esperança” e eu não espero mais te ver. Não quero sentir sua falta, mas sim uma saudade gostosa de tudo o que vivemos e sonhamos juntos em todos esses anos. Eu guardarei os nossos beijos, a nossa troca de incertezas e a apreensão quanto ao futuro na famosa “latinha de ex”, que eu nunca deixei você ver.
Amei ter aprendido a engatinhar com você e dar os meus primeiros passos segurando em suas mãos. Cada palavra me emocionou, cada promessa e, acima de tudo, cada silêncio. Eu decorei tudo em você, seus gestos, seu modo de agir, sua delicadeza... eu pressinto quando o telefone toca e é você, reconheço o som do seu carro dobrando a esquina, eu sei dizer quantos cabelinhos nascem fora do lugar na sua sobrancelha. Até hoje me arrepio quando você chega perto, mesmo com toda a intimidade que nós temos.
Eu antecipo nosso fim nessa carta, como uma criança se despedindo do acampamento de verão, levando comigo todas as lembranças, as boas e também as más, como se os joelhos ralados fossem um troféu da diversão. Estou consciente de que essas lembranças se desgastarão com o tempo e que o seu sorriso fatalmente se perderá em mim, mas está na hora de crescer.
Chegou o momento de seguir em frente, de viver de verdade, de superar as ilusões. O nosso problema é que eu já me decidi, já sei o que quero, o que mais quero no mundo. Está gravado nos meus ossos que eu quero ficar pra sempre com você! Mas você não se decidiu ainda e é provável que não se decida, então não te farei sofrer com as minhas cobranças, com a minha ansiedade, com a minha verdade. A gente não sabe o que está fazendo quando diz “pra sempre” e vamos assumir a verdade, quase nada é pra sempre, mas eu não vou mais te fazer sofrer esperando uma luz te dizer o que é certo fazer.
Eu te devolvo pra sua prisão, porque a minha liberdade não te libertou, não importa o quanto eu leia nos seus olhos essa paixão latente, porque eu quero sempre mais e pra você tudo está bom. Então eu vou embora (e isso não é covardia, você já me encontrou assim), assumindo o que quero e o que sinto e lamentando profundamente não estarmos na mesma página. E eu juro que você vai ser (mais uma vez) pra sempre, a minha primeira opção.