De Luciana Muniz
Desceu do carro devagar, a filha o conduzia pelas ruas e por vezes ele esbarrava nos vultos que passavam apressados. Alguns destes vultos eram cinza claro, outros em um tom mais escuro, quase negro.
Entraram no hospital e a atendente pediu que aguardassem a chegada do médico. Trinta minutos haviam se passado e apesar de há muito não ser mais uma criança, ele estava nervoso. Morrendo de medo da anestesia.
A filha estava impaciente, sentada ao seu lado e com os olhos fixos no celular, talvez mais ansiosa do que o próprio pai.
Enquanto aguardava, ele se lembrou da filha quando criança, correndo na grama verde do parque do Ibirapuera, fazendo os longos cabelos avermelhados bailarem ao vento. Daí o tempo passou, ela cresceu, se casou e lhe deu dois lindos netos.
E ele a cada dia foi enxergando menos, mas como odiava ir ao médico, foi adiando a visita ao Doutor. Mas quando a filha percebeu que algo estava errado e o levou para fazer alguns exames, apesar dos seus protestos, descobriu que estava com catarata.
A porta da sala se abriu e um vulto veio ao seu encontro. A filha lhe disse para não se preocupar, pois era a enfermeira que lhe conduziria para o centro cirúrgico.
A cirurgia foi simples e assim que pôde tirar os curativos, foi como se um mundo novo se revelasse diante dos seus olhos.
Passou a prestar uma atenção detalhada em tudo o que via, enfim se deu conta do quanto estava perdendo por não estar mais enxergando com nitidez as cores da vida à sua volta.
Muito melhor do que se lembrar, era ver novamente a explosão vulcânica do vermelho nos cabelos de sua filha, também presente nas madeixas dos netos.
Andou vagarosamente pelo jardim em frente ao hospital e vislumbrou o equilíbrio e a esperança do verde nas folhas sob a luz do sol. Olhou para o céu e se maravilhou com o esplêndido azul celeste, contrastando com a riqueza dourada dos raios solares.
As pessoas na rua não eram mais vultos acinzentados, cada uma tinha a sua combinação de cores, umas monocromáticas, outras exuberantemente coloridas.
Horas mais tarde, já em casa, mirou-se no espelho e contemplou o castanho dos seus olhos, muito vivos e brilhantes. Mas o que mais lhe despertou curiosidade foi a paz que tomou conta de si ao reparar melhor no branco dos seus cabelos.
Monday, April 23, 2007
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3 comments:
Bom texto! Envolve na história mesmo, legal mesmo! bjs
Gostei de todo o texto! Você nos envolve completamente!
Principalmente quando, no começo da história, não deixa claro que a personagem era cega. Isso faz com que o leitor descubra a história palavra por palavra, frase por frase...
Muito bom !
Meus sinceros parabéns!
Lu, dê uma olhada no meu blog (se é que já não leu!) na crônica "Uma Nova Visão", onde eu trato de um tema que tem alguma semelhança com este...
Sua última frase fecha com chave de ouro a crônica!
Mais uma vez, parabéns!!!
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