Friday, March 02, 2007

Drama e Comédia Social.

De Leandro Molino

No último terço do ano passado, o Brasil mais uma vez foi às urnas. Elegemos o Presidente (reeleito, em verdade), nossos Governadores (muitos também reeleitos), Senadores (idem), Deputados Federais e Estaduais (da mesma forma). Como se percebe, com nitidez, ocorreu uma “tremenda” renovação política... Mesmo assim, para quem gosta de política, foram as eleições de 2006 as mais interessantes desde o processo de redemocratização do País. Quase que integralmente informatizada, a escolha de nossos representantes políticos teve lances de humor, de suspense, de amor, de tristeza. Não faltou, como vimos, emoção. Mas faltou, como sabemos, conscientização. Não afirmo isso em detrimento de qualquer dos candidatos eleitos. Pelo contrário: assim como todos nós, os eleitos detinham o inequívoco direito de disputar as eleições, de se apresentar aos cidadãos, de expor seus ideais. E, no frigir dos ovos, todos foram legitimamente eleitos, como conseqüência da somatória de seus votos e, também, dos votos recebidos por suas agremiações políticas. Não há como se falar, assim, como muito já se falou nesse País, em fraude eleitoral, por exemplo (pelo menos aparentemente...). E fatos como este demonstram que estamos, como sociedade, amadurecendo. Mas que espécie de amadurecimento é este? Ouso afirmar que não se trata do tão desejado amadurecimento político. Cuida-se, tão-somente, do “amadurecimento eleitoral”: sabemos como funciona a tal “urna eletrônica” e sabemos manejá-la. De vez em quando erramos a digitação dos números dos candidatos. Mas nada que um aperto forte na tecla “CORRIGE” não resolva. Ponto final. A evolução de nosso eleitorado (ou seja: nossa) obsta neste ponto. Não passamos, infelizmente, daí. Quando, em épocas eleitoreiras, alguém, em uma roda de amigos, inicia uma conversa sobre política, logo, logo fica só. Falando ao vento. E isso ocorre na época das eleições! E os que antes o rodeavam começam a gravá-lo pelo nobilíssimo título de “chato”, ou “pentelho”, se preferir. É: em nosso País, seja na Cidade mais evoluída, seja na mais pobre, falar em política é chato, é “encheção”. Quer ótimo, isto, não? Tal fato, corrente em todos os cantos do País, evidencia o grau de alienação política de nossa gente. Ao conversar sobre isso com uma conhecida, funcionária de um renomado escritório de advocacia paulistano, obtive uma resposta surpreendente: “Ah, doutor: o povo sabe votar sim! Basta o senhor ver que todo mundo lá no meu bairro votou no L...! E o senhor sabe por que? Porque antes ninguém dava pra gente o dinheirinho que ele nos dá!”. Confesso que, em um primeiro instante, fiquei sem resposta. Não sabia, verdadeiramente, se a reposta conferida por aquela simples senhorinha era digna de críticas ou de elogios. Simplesmente silenciei. Ao sair do tal escritório, caminhando pelas belíssimas e extremamente abandonadas ruas do Centro de São Paulo, voltei-me à análise da reposta da tal senhora. Estaria ela correta? Pensem que o atual governo federal, reeleito, se vangloria de ser o cumpridor do “maior programa social da história”. Desta forma, concedendo benefícios pecuniários aos centenas de milhares de inscritos nos seus tais “programas”. É, sem dúvida, uma forma de distribuição. Todavia, do que? De riquezas? Não: tão-somente de dinheiro. É como se o povo brasileiro fosse um “povo de programa”, assim como as garotas: basta pagar. Riqueza não é, e não pode ser, somente medida pela quantidade de moedas. Riqueza deve significar conhecimento, cultura, oportunidade, saúde e, por fim, lá no fim, moeda. Mas o que nossos governantes hoje fazem é tão somente dar uma “esmolinha” aos milhões de necessitados de nosso País. É vale-gás de um lado; bolsa-família do outro. E por aí se vai. Mas e Valores? Conhecimento? Cultura? São também distribuídos a toda essa gente necessitada? A resposta a esta pergunta é uma só: não. Apreciando a questão por esta lógica, começo a perceber que a resposta daquela senhorinha, assim, estava errada. Não sabemos votar. Votamos em quem nos dá mais dinheiro. Ou vantagens. Pensamos, politicamente, somente no nosso umbigo. É, sim, uma compra de votos disfarçada. E, pior, por uma bagatela. Foi essa a “reposta” das urnas dada em 2006. Por que deixamos de lado, como povo, os preceitos éticos e morais para a escolha da maioria dos nossos eleitos? Porque, como povo, sequer sabemos o que é isso! O que é moral? O que é ética? São conceitos atualmente afastados, e muito, da realidade de quem é obrigado a morar em favelas, a acordar as 4 horas da manhã, subir em um ônibus sujo, lotado e atrasado, trabalhar mais de 8 horas por dia, almoçar uma verdadeira ração, sair do emprego cansado, pegar outro (ou outros) ônibus mais sujos, tão lotados e atrasados quanto o da manhã, chegar em casa depois da 9 horas da noite e ter, ainda, que cuidar da limpeza, da (pouca) alimentação, dos filhos, do marido, da esposa. Para essa turma de bons brasileiros, o que vale, mesmo, é ter todo o mês uma “ajudinha” do governo. O resto: “Ah, doutor, isso não enche barriga não!”. Afirmo que o que hoje o governo federal denomina de “maior programa social da história” é, em verdade, o maior programa formador de eleitores da história. A permanecer desta forma, sem críticas, serão criadas gerações e gerações de pseudo-incluídos, que venderão os seus votos em razão de uma esmola a mais do Governo. O objetivo incluso por detrás destes montes de cartões eletrônicos distribuídos pelo governo não é o de gerar uma condição melhor de vida aos beneficiários destes programas: é, sim, gerar o receio, o temor de que se essa gente não votar no “ómi”, tudo isso poderá ruir, acabar! É uma trama inteligentíssima, diga-se. Mas seria bacana se não fossemos nós, os brasileiros, os seus protagonistas. Preocupo-me, como apaixonado por esta terra e por esta gente, aonde chegaremos. O antídoto? Fácil! Ouçam os “Titãs”: “A gente não quer só comida, a gente quer saúde, diversão e arte. A gente não quer só dinheiro, a gente quer inteiro e não pela metade.” Estamos condenados, como sociedade, á pobreza? Teremos que dar sempre o peixe ou seria mais fácil ensinar o alimentado sobre a forma correta de pescar não um, mas dezenas, talvez centenas de “peixes”? Não seria mais útil, socialmente, termos um montão de “pescadores” do que zilhões de pedintes, malabaristas de cruzamentos? Creio que não estamos condenados à pobreza, pois no mesmo país onde se morre de fome, desenvolvem-se as mais especiais, atuais e incríveis metodologias de cirurgias e transplantes cardíacos. Ou de neurocirurgia. O que devemos fazer, então, para que deixemos de lado, de uma vez por todas, essa pecha de derrotados que ostentamos como nação, de dependentes? Quem souber a resposta, torne-a pública, por favor. Mas creio que um bom começo para a resolução desta questão é a conversação sobre política. Converse sobre o assunto mais e mais. Transar é bom? Ótimo. Transe. Mas lembre-se de conversar sobre política e sobre as suas dúvidas e indignações com seus pais, seus filhos, sua vizinha (ainda mais se lê for bonitona...), seu vizinho (para as leitoras não falarem que sou machista...), seus amigos e amigas. Você perceberá que também é muito bom e gostoso compreender os fatos, os acontecimentos, tornar-se mais culto. Você perceberá, tenho certeza, que as coisas realmente não estão nada bem e que o rumo adotado pela nossa classe política não é o único: existem, sim, alternativas. E uma destas alternativas pode ser você. Seus amigos, vizinhos, colegas de trabalho, de futebol, de batuque, de dança, do skate, da corrida, da bike, também podem ser a alternativa. Mas para isso, é necessário instaurar-se um tempo de participação política. Seus filhos e, conseqüentemente, seus netos, agradecerão. E, quem sabe, daqui uma ou duas gerações, não transformaremos esse nosso atual drama em uma rasgada comédia social?

4 comments:

Anonymous said...

Será que é possível? (transofrmar esse drama numa comédia social?)

Abraço!!

fe

Líbero said...

Fe, se não acreditarmos, quem acreditará? Valeu pela força e obrigado pelo comentrário. Abs,

LSM

Acerola das Neves said...

Evolução e involução, ou ainda não vivemos o esquema "voto do cabresto"? A solução, você mesmo apontou, exclarecimento!! Mas lembre-se, a própria política eliminou a repetência escolar, ou seja, uma população burra é o alvo mais fácil a ser contaminado, nesses momentos eleitoreiros, o "não pensar" é fundamental. O outro lado é fazer uma grande população sentir-se miserável, rejeitada, como se fossem o resto social... é o que fazem essas pessoas sentirem, é só ouvir discursos em palanque na periferia; pra depois "remediarem" com a cesta básica milagrosa... é um eterno "vai-vem" fode, desfode, fode, desfode... claro, isso é apenas um apontamento, quanto mais pessoas comentarem, mais e mais problemas apontamos, sempre problemas... bom texto!! abraço!

Anonymous said...

É triste saber que muitos são "gado eleitoral", mas é exatamente isso o que os digníssimos políticos querem, barro mole para moldar à seu bel prazer...
Também sou otimista e prefiro acreditar semeando cultura e valores éticos, quem sabe poderemos algum dia colher frutos melhores...

Bjo!