Cronista convidado: Alexandre heredia
Às vezes eu percebo que estou preso.
Não é sempre, não é não. Só às vezes eu percebo. E bate aquela impotência. Tenho vontade de chorar, mas não vou dar a eles essa alegria, ah, não dou. Respiro fundo e continuo.
Bem cedo me levam para uma salinha. Dois caras me esperam lá. São loucos, loucos, mas gostam dessa loucura. Abraçaram-na, institucionalizaram-na, vivem-na. Eu não. Eu ainda não. Eu ainda me debato. E eles sabem. Eles vêem. Mas não vão me dobrar. Não vão, não. Eles são loucos. Eu não.
Me fazem perguntas. Coisas triviais. Coisas não. Complexas. Para eles, que são loucos, não para mim. Me dão uma folha de papel e uma caneta quando peço. Desenho e escrevo o que eles pedem na folha. Simples. Rápido. Básico. Eles se entreolham. Não entenderam. Claro que não, são loucos. Eu não sou. Não ainda. Tento explicar, mas só pioro a situação. Eles agradecem e me levam de volta.
Mais testes. Vivo fazendo testes. E bebendo. Não, nada de álcool. Preciso me manter lúcido para realizar os testes. Bebo água salobra. E uma coisa horrível que eles cismam em chamar de café, mas não acredito que seja. Não sou burro. Não sou louco. Eu lembro como é café de verdade, e essa coisa solúvel não é. Quem eles querem enganar?
Imagens e letras viajam na minha vista. Correm, se escondem, reaparecem. E eu entendo tudo. Claro, não sou louco! De vez em quando me perguntam o que aquilo tudo significa, mas ninguém entende. Loucos, loucos. E me mandam de volta. Previsíveis.
Um dia reclamaram que eu não me socializava. Que eu não me misturava com o resto dos loucos. Não me misturo com vocês, seus loucos! Quase disse isso. Juro. Mas as palavras pararam na garganta e eu as engoli. Filtre angústia, rim, nesta autêntica diálise social.
A maioria que entra aqui logo se adequa ao sistema. Se não é louco, como eu, fica rapidinho. E acabam felizes nessa ignorância. Esses são rapidamente mandados embora. E eles choram ao sair. Idiotas. Preferem a prisão. Loucos idiotas comedores de merda.
Os dias passam devagar. Os pensamentos rápido. As idéias idem, mas não as digo. Não as guardo. É perigoso ter idéias. Assusta os loucos. E o que assusta eles me apavora. Porque estou preso com eles. Dia a dia.
Antes do sol se pôr (eu acho, pois aqui não temos direito a janelas) me levam de novo pra salinha e me perguntam o que eu fiz o dia inteiro. Eu digo. E eles não entendem. Me dão broncas. Me apontam dedos. Disparam perdigotos. Eu ouço. Eu assimilo. Meu rim filtra tanto que chega a doer. Eu volto pro meu lugar. Letras, imagens, botões...
Até que chega uma hora que me dizem: "Vai embora". Eu pergunto: "Por quê?", e eles respondem: "Você já estourou o banco de horas".
Eu pego minhas coisas e vou.
Mas volto amanhã.
Trabalho em escritório é mesmo uma loucura.
Saturday, March 03, 2007
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6 comments:
Alê, nõa podemos esquecer de divulgar: http://nvsp.tarjaeditorial.com.br/
Abraços,
Fernando Torres
Cheguei a pensar que se tratava do Zebedeu...rs
Muito bom Alê!! ;)
Fala Heredia!
Mais um dia de trabalho?
Não é mole hein??
Valeu pela participação especial!
Seja bem-vindo.
Abraço
Eu lembro. Eu sinto. Gostei. Seu louco!
Usam ar condicionado, mascam caneta e se enforcam em gravatas... bom texto!! abraço!!
Tiago Abad
Estou com uma dúvida...
quando os loucos não têm ar condicionado nós os chamamos Loucos derretidos ou loucos tostados?
Ah, eu tô maluca!
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